O Estado de São Paulo, n. 46802, 07/12/2021. Política p.A6

 

Rosa Weber libera emendas de relator; comissão prevê R$ 16 bilhões em 2022

 

Weslley Galzo

Daniel Weterman

Iander Porcella

 

A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), recuou ontem e liberou a execução das emendas de relator do Orçamento (RP9) previstas para o ano de 2021. O dispositivo é a base do orçamento secreto, no qual parlamentares indicam a destinação de recursos para seus redutos eleitorais e, em troca, votam a favor das propostas do governo Jair Bolsonaro. Em seu despacho, Rosa atendeu ao pedido dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-al), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para suspender o trecho da decisão que impedia novos repasses neste ano, sob o argumento de que a medida paralisaria setores essenciais da administração pública.

Horas antes da decisão liminar da ministra, porém, a Comissão Mista de Orçamento (CMO) já havia rejeitado propostas que dariam transparência aos critérios usados para distribuir bilhões de reais a um grupo de parlamentares. Além disso, o parecer do relator, deputado Hugo Leal (PSD-RJ), aumentou as despesas para o ano eleitoral de 2022, estimadas agora em 16,2 bilhões, podendo chegar a R$ 17 bilhões com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios.

Na prática, o texto aprovado pela CMO garante liberdade para o relator escolher o destino do dinheiro reservado para as emendas, atendendo a critérios políticos. Desde maio, o orçamento secreto é revelado pelo Estadão em uma série de reportagens.

As emendas parlamentares pagas a deputados e senadores, e controladas pelo relatorgeral do Orçamento, estavam suspensas desde 5 de novembro por determinação de Rosa, que havia atendido a pedido do PSOL. Na ocasião, ela havia afirmado que a suspensão era necessária porque havia um "grupo privilegiado de parlamentares" que poderia destinar "volume maior de recursos a suas bases eleitorais".

 

PRAZO. Agora, a nova decisão de Rosa passará pelo crivo do plenário da Corte, em data a ser definida pelo presidente do STF, Luiz Fux. Apesar de ter atendido ao pedido do Congresso, a magistrada destacou ser necessário dar publicidade aos documentos utilizados na distribuição de recursos das emendas em 2020 e 2021 e prorrogou por 90 dias o prazo para que o Parlamento, a Presidência, a Casa Civil e o Ministério da Economia adotem providências neste sentido. Na avaliação da magistrada, as medidas incluídas no projeto de resolução aprovado pelo Congresso "mostram-se suficientes (...) para justificar o afastamento dos efeitos da suspensão".

 

PROJETO. No último dia 29, o Senado havia aprovado projeto de resolução, em parceria com a Câmara, alterando as regras das emendas RP9. Pacheco comunicou ao Supremo, na sexta-feira passada, que exigiu do relator do Orçamento deste ano a adoção das "providências possíveis" e necessárias para detalhar, no prazo de 180 dias, a autoria dos pedidos de alocação de recursos, ou seja, quem são os padrinhos das emendas.

De qualquer forma, a aprovação do parecer de Hugo Leal pela CMO representa mais um passo do Congresso para manter, em 2022, o mecanismo das emendas de relator do jeito que está. "O que é o orçamento secreto? São esses R$ 16 bilhões. Duas pessoas, o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, e o presidente da Câmara, Arthur Lira, entregam para quem eles querem, do jeito que quiserem, mas tem de ter condicionante: votar no que eles desejam, contra ou a favor. Geralmente, a favor do governo, em matérias mais polêmicas", disse o deputado Hildo Rocha (MDB-MA). 

 

Propostas rejeitadas

• Transparência

Aumentar o nível de transparência das emendas do orçamento secreto e detalhar quem indicou cada verba em todas as etapas do processo.

 

• Distribuição

Tornar a distribuição das emendas de relator igualitária entre bancadas do Congresso. A opção foi manter sem critério, de modo que a divisão segue livre.

 

• Critérios

Estabelecer critérios de repasses, como distribuição proporcional entre as regiões do Brasil ou prioridade a municípios mais pobres.

 

• Limites

Limitar as emendas de relator a R$ 5 bilhões, e outra que restringia as alterações a correção de erros e omissões do Executivo.

 

• Manobra

O relator manteve a brecha que permite cortes em despesas obrigatórias da União, como aposentadorias, para turbinar as emendas do orçamento secreto.

 

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Distribuição de verbas deve permanecer opaca

 

ANÁLISE: Gil Castelo Branco

 

As emendas de relator, conhecidas pelo código RP 9, foram utilizadas de forma promíscua, sem respeitar os princípios constitucionais da impessoalidade, moralidade e publicidade.

Apesar da contundente decisão do STF, que suspendeu a execução do RP 9 neste ano e exigiu transparência, as Casas Legislativas permanecem contrariando a Suprema Corte, ao não divulgar os nomes dos parlamentares beneficiados em 2020 e 2021. Se vierem à tona os favorecidos, associados aos respectivos valores e destinações, ficará evidente a cooptação de parlamentares com recursos públicos.

A resolução do Congresso aprovada às pressas promete transparência só daqui para frente. A justificativa pífia para não divulgar os dados de 2020 e 2021 foi a não existência de registros oficiais, o que não foi engolido pelo Supremo e por qualquer cidadão de bom senso. Assim, o Legislativo, agora, promete divulgar os dados de 2021 em 180 dias, mas a ministra Rosa Weber limitou o prazo a 90 dias. Sobre 2020, ninguém falou mais.

Não bastasse a insistência do Legislativo para manter o passado em sigilo, o relator-geral do Orçamento de 2022, deputado Hugo Leal (PSD-RJ), rejeitou as sugestões apresentadas por parlamentares para aumentar a transparência, com a publicação das solicitações em todas as etapas do processo orçamentário, distribuir de forma igualitária os recursos entre os partidos e bancadas, definir critérios para a proporcionalidade dos repasses entre as regiões do Brasil ou conferir prioridade aos municípios mais carentes. O relator também não acatou propostas de limitar o RP 9 a R$ 5 bilhões, ou de restringi-lo à correção de erros e omissões. Ao contrário, abriu brecha para que, se aprovada a PEC dos precatórios, o RP 9 possa superar R$ 16 bilhões. Em 2020 e 2021, o valor autorizado para o RP 9 somou R$ 37 bilhões, o que representa, em média, R$ 62 milhões para cada parlamentar, valor maior do que a receita anual de mais de 65% dos 5.568 municípios brasileiros.

Hugo Leal não toca no essencial. Além da transparência, é necessário que existam critérios técnicos e isonomia para a distribuição desses recursos bilionários. Ao invés de avançar na definição de parâmetros socioeconômicos, para que os recursos aprovados em programações genéricas sejam distribuídos de forma republicana, o parlamentar manteve, inclusive, a possibilidade de cortes em despesas obrigatórias para irrigar as suas emendas no ano eleitoral.