O Globo, n. 32660, 07/01/2023. Política, p. 4

Primeiros recados

Alice Cravo
Jeniffer Gularte
Sérgio Roxo


Na primeira reunião ministerial de sua gestão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva emitiu sinais dúbios sobre como agirá caso seus auxiliares sejam flagrados em malfeitos. Inicialmente, disse que “quem fizer errado” “será convidado a deixar o governo”, mas na sequência assegurou que não abandonará “ninguém na estrada” mesmo em “momentos ruins”. O petista aproveitou a repercussão que o encontro teria para fazer acenos ao Congresso, ao determinar que seus comandados mantenham as portas abertas a deputados e senadores e cultivem as melhores relações com o Legislativo. A reunião começou com um discurso de 19 minutos de Lula aos ministros transmitidos pelas redes sociais, e depois se estendeu por mais quase quatro horas, a portas fechadas. No trecho também direcionado ao público de fora, o presidente citou entre os primeiros pontos a questão ética, tratada com recados difusos. — Quem fizer errado, sabe que só tem um jeito: a pessoa será convidada a deixar o governo — disse, acrescentando:

— Eu estarei apoiando cada um de vocês nos momentos bons e nos momentos ruins. Não deixarei nenhum de vocês no meio da estrada. A declaração ocorreu no momento de desgaste político provocado pelas denúncias de que a ministra do Turismo, Daniela Carneiro (União Brasil), recebeu apoio e fez campanha com integrantes de milícias que atuam na Baixada Fluminense. A própria Daniela aproveitou a oportunidade para dizer que tinha a “consciência tranquila”, de acordo com um personagem que estava na sala. Ao fim, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, concedeu uma entrevista coletiva e disse que a situação da ministra do Turismo, a cada dia mais pressionada, não foi tratada durante a reunião, nas palavras de Costa, porque “não tem nada relevante”. Antes de entrarem na reunião, todos foram obrigados a deixar seus celulares do lado de fora da sala no Planalto. Cerca de 50 pessoas participaram do evento. Além dos 37 ministros, estavam presentes a primeira-dama, Rosângela Silva, a Janja, que não se sentou à mesa de autoridades, os três líderes do governo no Congresso e assessores.

Lula insistiu de forma explícita na determinação de que os ministros cultivem bom relacionamento com o Congresso e fez uma deferência aos presidentes da Câmara e do Senado. — Muitos de vocês são resultado de acordos políticos, porque não adianta a gente ter o governo tecnicamente formado em Harvard e não ter o voto na Câmara e no Senado. Cada um de vocês tem a obrigação de manter a mais harmônica relação. Nós não mandamos no Congresso, nós dependemos do Congresso — afirmou o petista.

— Eu tenho consciência de que não é o (Arthur) Lira que precisa de mim, é o governo que precisa da boa vontade da presidência da Câmara. Não é o (Rodrigo) Pacheco que precisa de mim, é o governo que precisa de um bom relacionamento com o Senado. O petista pediu que seus auxiliares recebam parlamentares sempre que solicitados. O gesto surtiu efeito quase imediado. Horas após o evento no Planalto, Pacheco se manifestou nas redes sociais e devolveu o afago: “O presidente Lula demonstra, com essa fala, experiência e capacidade de aglutinação. De fato, o Congresso merece respeito porque tem compromisso com as soluções para o país”. Assim como o presidente e Daniela, os demais ministros também tiveram a sua vez ao microfone durante o encontro. Todos, porém, ouviram mais do que falaram. Lula adotou tom veemente ao pedir que os ministros apresentem o mais rapidamente possível “entregas”, ou seja, ações concretas de suas pastas. Ele escalou Rui Costa para colher uma lista de ações prioritárias de cada ministério para serem iniciadas e, se possível, concluídas nos primeiros cem dias de governo.

Afinando o discurso

Ao dissecar a importância de se apresentar resultados com velocidade, Lula se dirigiu ao ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, e, em tom de brincadeira, disse que era preciso entregar “nem que fosse uma canoa”. O presidente pediu ainda que os ministros se empenhem em manter um clima de otimismo e, para isso, falem menos das dificuldades que serão enfrentadas e mais das soluções discutidas. Ressaltou que é preciso foco especial nas áreas de educação e saúde e defendeu uma campanha de vacinação. Na sua vez, o ministro da Defesa, José Múcio , abordou os acampamentos montados por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro em frente a quartéis para contestar o resultado das eleições. Disse que o número de acampados chegou a 45 mil pessoas em todo Brasil e atualmente não passa de 5 mil, segundo ele. O ministro afirmou que está conversando com os grupos que ainda resistem em sair.

Já a titular dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, que ainda não tomou posse, buscou outra forma de expressão ao tomar a palavra. Ela cantou uma música em Tentehar, sua língua original. A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, deu uma declaração forte em que condenou o feminicídio e os assassinatos de jovens negros nas periferias.