O Globo, n. 32661, 08/01/2023. Opinião, p. 2
Política externa precisa evitar viés ideológico
O comparecimento há uma semana de mais de 70 delegações estrangeiras à posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sete vezes mais que na de Jair Bolsonaro, já indica o interesse na volta do Brasil à normalização de suas relações diplomáticas, depois de quatro anos de isolamento internacional. Para que o país aproveite esse momento propício, é de esperar que Lula tenha compreendido que o mundo tornou-se mais complexo e mais interdependente desde que passou a faixa de presidente para Dilma Rousseff. Há cada vez menos espaço para uma diplomacia que se sustente na equivocada visão de um conflito Norte-Sul, entre ricos e pobres, como ele tentou em Lula 1 e Lula 2.
Para voltar aos velhos tempos, com adaptações a novas realidades, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, executa uma ampla reforma administrativa. No governo anterior, Ernesto Araújo, ao assumir, reduziu de nove para sete as secretarias do Itamaraty, mantidas por Carlos França, sucessor de Araújo. Agora, o ministério contará com dez secretarias, entre elas uma voltada exclusivamente à América Latina e ao Caribe, regiões que eram atendidas pela Secretaria das Américas. Em seu lugar, a Secretaria de Europa e América do Norte (Estados Unidos e Canadá) cobrirá o conjunto de países ricos.
Essa mudança sinaliza a ênfase regional que Lula quer dar à sua política externa, sem prejuízo, espera-se, dos Estados Unidos e da Europa. A Ásia tem relevância por causa da China, maior parceiro comercial do Brasil, e a África é uma das prioridades do presidente.
Outra indicação é dada pela mudança de status da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), antes subordinada à Secretaria de Comércio Exterior, e que passa para a Secretaria-Geral do Itamaraty, pela primeira vez ocupada por uma mulher, a embaixadora Maria Laura da Rocha. Nos governos Lula, a ABC formulou e acompanhou programas de cooperação na África e na América Latina para o combate à fome e prestação de assessoria no setor agrícola.
Também para se adequar aos novos tempos, o ministério passa a ter uma Assessoria de Participação Social e Diversidade, ligada ao próprio ministro, iniciativa que surgiu no grupo de transição de governo, para que o Itamaraty se aproxime de demandas da sociedade.
Os avanços no enfrentamento da destruição da Amazônia, que se esperam a partir do trabalho de Marina Silva na pasta do Meio Ambiente, serão essenciais para a atuação diplomática da secretaria de Clima, Energia e Meio Ambiente, sob o departamento de Assuntos Multilaterais Políticos do Itamaraty.
É animador que a reforma por que passa o Ministério das Relações Exteriores indique que o Brasil ensaia a volta à diplomacia multilateral. Será grande a frustração, no entanto, se o novo governo deixar a ideologia contaminar a política externa, como aconteceu com o PT no poder. Os tempos não só são outros, como Lula recebeu um mandato de uma extensa aliança em defesa da democracia. Essa característica precisa estar refletida nas relações com outros países.