O Globo, n. 32661, 08/01/2023. Política, p. 8

Para contornar crise, aliados de Lula acenam com cargos a Lira

Gabriel Sabóia
Bruno Góes


Aliados do governo tentam contornar o malestar gerado com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), após ele ter sido preterido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na formação do Ministério e, para isso, têm acenado com a oferta de cargos no segundo escalão. As negociações envolvem manter — ou até mesmo aumentar — o controle de caciques do Centrão sobre a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf ), estatal cobiçada pela sua capacidade de execução de obras e serviços em redutos eleitorais de políticos.

Ao formar seu time de ministros, Lula aplicou um duplo revés em Lira, favoritíssimo para permanecer na presidência da Câmara pelos próximos dois anos. Em cima da hora, o petista decidiu não nomear nenhum nome ligado ao parlamentar. Elmar Nascimento (UniãoBA), aliado de Lira, chegou na última semana da transição como favorito para o Ministério da Integração Nacional, mas acabou rifado, e a pasta foi entregue ao ex-governador do Amapá Waldez Góes (PDT-AP), indicado ao posto pelo senador Davi Alcolumbre (União-AP). De quebra, Lira ainda viu um dos seus principais adversários políticos em Alagoas, o ex-governador Renan Filho (MDB-AL), assumir os Transportes, pasta com capilaridade e poder de realização. Antes disso, o deputado alagoano já havia deixado clara a irritação com o empenho de Lula em articular pelo fim do orçamento secreto junto a ministros do Supremo Tribunal Federal, semanas antes de a Corte pôr fim ao instrumento. Responsável pela pauta e pelas conduções do trabalho na Câmara, Lira já relatou a aliados o incômodo com o desprestígio. Diante desse cenário, articuladores políticos do novo governo entendem ser preciso oferecer algum tipo de compensação a Lira, num gesto de pacificação. Petistas reconhecem, contudo, que oferecer a Codevasf pode não ser suficiente para conter eventuais retaliações futuras do Centrão em votações no Congresso, uma vez que a companhia já é um feudo do grupo desde o governo de Jair Bolsonaro, quando passou a ser comandada por um apadrinhado de Elmar, o engenheiro Marcelo Andrade Moreira Pinto. Lira, por sua vez, tem um primo à frente da superintendência da estatal em Alagoas, o ex-deputado estadual João José Pereira Filho, conhecido como Joãozinho Pereira.

Por isso, além da oferta de cargos, aliados de Lula passaram a última semana reafirmando publicamente o apoio do PT à reeleição de Lira no comando da Câmara. O acordo é uma forma de sinalizar que o governo quer trabalhar em harmonia com o presidente da Câmara, mas com uma relação diferente do que ocorria com Bolsonaro. Na avaliação de petistas, enquanto no governo anterior os parlamentares tomaram o controle do Orçamento da União, cabendo ao Executivo apenas autorizar os pagamentos, agora os parlamentares vão ter que voltar a negociar na Esplanada para conseguir atender suas bases eleitorais.

Jogo duplo

O diálogo com Lira é defendido por nomes como o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), que disse não haver qualquer crise entre os presidentes da República e da Câmara. De acordo com ele, as tensões serão aparadas com “habilidade política”. O deputado José Guimarães (PT-CE), escalado por Lula para ser o líder do governo na Câmara, vai na mesma linha e defende uma relação de “alto nível”, com respeito à autonomia dos Poderes. —O presidente da Câmara tem que ser o presidente de todos. Não pode ser líder de governo.

É claro que para governar temos que ter uma relação de absoluta institucionalidade e respeito com o presidente da Câmara. Até porque vamos votar nele— disse em entrevista ao GLOBO na terça-feira. Ao mesmo tempo que acena a Lira, porém, o PT trabalha para dividir os aliados do presidente na Câmara, num jogo duplo que tem como objetivo enfraquecer alas de partidos do Centrão ligadas ao bolsonarismo. Nesta semana, petistas intensificaram o assédio para levar o Republicanos para a base aliada. A ideia éatr aira sigla, que apoiou Bolson aron as eleições, para o “blocão do governo” e, assim, isolar o PL. Mesmo que tenha abancada mais numerosa, com 99 parlamentares, o partido pode ser preterido na escolha de comissões e de cargos na Mesa Diretora se não fizer parte do conjunto que tiver mais deputados.

Segundo os cálculos de petistas, esse blocão já reúne 260 parlamentares, o que garantiria maioria em votações de projetos de interesse do governo. Deputados da sigla, porém, ainda não receberam indicação se o União Brasil, que tem dois nomes no primeiro escalão de Lula, participará do grupo. Após ser preterido como ministro, Elmar declarou que a bancada da legenda atuaria de forma independente no Congresso, posição que foi confirmada pelo presidente do União, deputado Luciano Bivar (PE). Lira não tem participado dessas costuras e preferiu ficar longe de Brasília na primeira semana do novo governo ao se refugiar em Alagoas, onde tem fazendas. Sua intenção é voltar à capital federal apenas na terçafeira, quando deve retomar as articulações políticas.