O Estado de São Paulo, n. 46803, 08/12/2021. Notas & Informações p.A3

 

Bolsonaro atropela a Petrobras

A pérfida combinação de uma empresa sob controle estatal, mas com ações negociadas em bolsa, com um controlador (o governo federal) dirigido por um descontrolado (o presidente da República) está produzindo resultados que talvez não surpreendam, mas prejudicam quase todos. A insistência com que o presidente Jair Bolsonaro tenta impor à Petrobras uma política de controle de preços dificulta a operação da empresa, que ainda busca o equilíbrio econômico-financeiro depois de anos de exploração pelo populismo lulopetista. O ambiente econômico, deteriorado pelo desemprego, pela inflação e pela fraqueza da recuperação pós-pandemia, fica mais turvo com iniciativas do governo para quebrar regras de funcionamento dos mercados. E o preço do combustível continua a depender não do voluntarismo do presidente, mas das circunstâncias de um mercado que, felizmente, Bolsonaro não controla.

Se alguém pensa em ganhar é o próprio Bolsonaro, pois sua insistência em controlar preços e mostrar-se senhor da evolução da economia pode lhe render alguma vantagem na luta para conter o processo de corrosão de seu prestígio popular que já coloca em sério risco seu projeto de reeleição em 2022. 

De concreto, a irresponsabilidade com que Bolsonaro vem agindo na questão do preço da gasolina e do diesel já rendeu, em menos de dois meses, três processos administrativos na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão regulador das operações do mercado de valores mobiliários. O último foi aberto na segunda-feira, dia 6 de dezembro, depois de Bolsonaro dizer publicamente que a Petrobras passaria a anunciar reduções semanais e sucessivas do preço dos combustíveis.

 

Se verdadeira a informação, o presidente teria antecipado uma decisão que, por sua importância sobre o desempenho e os resultados da Petrobras, deveria ter sido prévia e formalmente anunciada ao mercado, pela empresa, como fato relevante. Trata-se de exigência para evitar que, de posse de informações privilegiadas, alguns investidores ganhem mais que outros. Bolsonaro pode não saber de muita coisa, como tem demonstrado desde que assumiu o cargo que hoje ocupa, mas sabia que havia algo de esquisito na sua fala sobre os preços dos combustíveis. “Eu falei isso aí, pronto, informação privilegiada”, disse em seu típico linguajar marcado por intercalações de ideias e por subentendidos.

No caso, até procurou dar alguma fundamentação para o que vem dizendo. Em declarações a apoiadores, depois de afirmar que o preço da gasolina “tem de cair”, citou dados do mercado internacional do petróleo. “Precisa ter bola de cristal para dizer que tem de cair o preço da gasolina caindo o Brent (um dos dois principais tipos de petróleo negociado no mercado mundial; o outro é o WTI)? Se eu não me engano, quase US$ 10.”

De fato, a cotação do petróleo Brent caiu mais de 10% desde o dia 25 de outubro, quando o mercado foi abalado pela identificação de uma nova variante de vírus, a Ômicron, com maior poder de contágio. Mas a definição de preços dos derivados não se resume à aritmética, embora ela seja imprescindível.

“A Petrobras reitera seu compromisso com a prática de preços competitivos e em equilíbrio com o mercado, ao mesmo tempo em que evita o repasse imediato das volatilidades externas e da taxa de câmbio causadas por eventos conjunturais”, disse a empresa em comunicado para os investidores e para a CVM. Cotações internacionais do petróleo pesam, e muito, na definição do preço da gasolina no mercado interno; mas há outros fatores, como a volatilidade dos preços externos e a cotação do dólar, que precisam ser devidamente considerados. Além do mais, como afirmou a Petrobras, ela “não antecipa decisões de reajuste” e não tem nenhuma decisão que não tenha sido anunciada ao mercado.

Para contornar mais uma saia-justa criada pelo presidente, a Petrobras atribuiu a confusão “às notícias veiculadas na mídia”. Ora, a confusão foi criada, como sempre, por Bolsonaro, e não pela imprensa, que se limitou a noticiá-la – e continuará a fazê-lo sempre que o presidente tentar interferir na política de preços de uma estatal de capital aberto.