O Globo, n. 32662, 09/01/2023. Política, p. 10

Mais de 200 presos

Bernardo Mello
Daniel Gullino
Vera Araújo


As cenas de invasão às sedes dos três Poderes em Brasília devem ser enquadradas judicialmente como crimes contra as instituições democráticas, na avaliação de juristas consultados pelo GLOBO. Para especialistas, os atos bolsonaristas também configuram associação criminosa e dano ao patrimônio público, histórico e cultural. No último balanço antes do fechamento desta edição, o ministro da Justiça, Flávio Dino, declarou que ao menos 260 pessoas haviam sido presas em flagrante pelas forças de segurança do DF.

Parte dos manifestantes que atacaram os prédios públicos na Praça dos Três Poderes tentou voltar ao acampamento em frente ao QG do Exército no fim da noite. Pela primeira vez desde o início dos protestos contra a eleição, porém, o Exército passou ab arrare proibir que el esparasse memfr ente ao quartel. O acampamento, porém, ainda permanecia no local. “Agora só dá para sair, não dá mais para entrar” afirmou um militar que guarnecia o QG, segundo informou a colunista Bela Megale.

Na avaliação do constitucionalista Pedro Serrano, a invasão golpistas e enquadra ema o menos duas categorias de crimes contra a democracia: abolição violenta do Estado Democrático de Direito, caracterizada pelo uso de “violência ou grave ameaça, (...) impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”; e tentativa de golpe de estado. As penas para duas essas práticas, somadas, podem chegara 20 anos de prisão.

— São crimes graves e com concurso material, isto é, as penas se somam. As autoridades também podem responder por prevaricação e, no caso de omissão dolosa, pode ser caracterizada coautoria nos crimes contra a democracia— explicou Serrano.

Reforço de estados

Já o professor de Direito Constitucional na PUC de São Paulo e advogado Georges Abboud disse que os atos configuram “ação criminosa contra o Estado Democrático de Direito”, e pontuou que “somente foi possível em virtude da leniência e complacência de instituições e agentes públicos”. advogado criminalista Rodrigo Faucz Pereira acrescentou que também devem ser responsabilizados judicialmente “aqueles que apoiaram, instigaram e financiaram” os atos golpistas.

A possibilidade de que autoridades estaduais tenham sido lenientes com os atos golpistas justifica, na avaliação dos especialistas ouvidos pelo GLOBO, a intervenção federal decretada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na segurança pública do Distrito Federal. A medida vale até 31 de janeiro, com possibilidade de prorrogação.

Segundo o decreto que estabelece a intervenção, o policiamento local contará com reforço de agentes de outros estados e de militares da Forças Armadas. O grupo atuará em conjunto coma PM do DF, que deixará de responder às ordens do governador Ibaneis Rocha, passando ase reportar ao interventor nomeado por Lula, Ricardo Cappelli.

A intervenção consiste na União assumir competências que cabem aos estados — uma dela sé a segurança pública. No caso do Distrito Federal, o governador Ibaneis Rocha seguirá à frente das outras áreas da administração.

O interventor Ricardo Cappelli ficará subordinado a Lula. No posto, ele poderá “requisitar a quaisquer órgãos, civis e militares, da administração pública federal, os meios necessários”. Também poderão ser demandados “recursos financeiros, tecnológicos, estruturais e humanos” do Distrito Federal.

O ministro da Justiça, Flávio Dino, afirmou que a quantidade total de efetivo a ser empregada ainda será avaliada pelas Forças Armadas. Mais cedo, o Exército informou que havia 2,5 mil militares de prontidão para atuar ontem. Eles, no entanto, não chegaram a ser acionados.

Em entrevista sobre a ação da Polícia Militar na tarde de ontem, Dino pontuou que houve uma mudança no planejamento de última hora, que permitiu que os manifestantes se aproximassem das sedes dos Poderes. Policiais que estavam na Esplanada foram acusados de leniência ao não resistir ao avanço:

— Nos dias que antecederam a esses episódios, houve uma preparação que se baseou nas responsabilidade constitucionais do governo do DF. Não obstante, nós tivemos uma mudança de orientação ontem (sábado), em que o planejamento, que não comportava a entrada de pessoas na Esplanada, foi alterado.