Valor Econômico, v. 20, n. 4879, 13/11/2019. Brasil, p. A4

Trabalhador de baixa renda deveria ser foco, afirma Paes de Barros

Thais Carrança



O programa de estímulo ao emprego do governo acerta ao retirar encargos de quem emprega, mas deveria ser permanente e focado em trabalhadores de baixa remuneração em geral, em vez de ter duração prevista de dois anos e ser voltado apenas aos jovens de baixos salários, avalia o economista Ricardo Paes de Barros, professor do Insper.

Um dos criadores do Bolsa Família, ainda no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, e hoje membro do Grupo de Altos Estudos do Trabalho (Gaet) - formado pelo Ministério da Economia para dar continuidade à reforma trabalhista -, PB, como é conhecido, falou ao Valor sobre o novo plano, sobre a intenção do governo de unir os pisos de gastos da educação e da saúde e como melhorar o principal programa de distribuição de renda do país.

“Acho que a direção é boa”, diz Paes de Barros, ao comentar o Programa Verde Amarelo, lançado anteontem pelo governo. Pela medida, empresas que contratarem jovens de 18 a 29 anos, com remuneração até 1,5 salário mínimo e em seu primeiro emprego, ficam isentas da contribuição previdenciária, do salário-educação e das contribuições ao Sistema S e ao Incra. Também ficam reduzidas a alíquota de contribuição ao FGTS, de 8% para 2%, e a multa do FGTS em caso de demissão sem justa causa, de 40% para 20%, mediante acordo prévio entre empregador e funcionário.

Para o economista, se há um pecado no programa, é seu caráter limitado. “Deveria ser uma mudança permanente e ela não devia ser focada em jovem, mas em trabalhadores com baixa remuneração em geral. Não faz sentido trabalhadores de baixa remuneração contribuírem para o orçamento público”, avalia.

Quanto à pertinência de se tentar novamente a desoneração de folha, após experiência recente no governo Dilma Rousseff não ter resultado em geração de empregos, conforme constatado em estudo pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o economista avalia que esse resultado “vai contra toda a teoria econômica”. “Quando você aumenta um preço, cai a demanda por aquele bem. Quando você reduz o preço, aumenta a demanda”, diz ele.

Paes de Barros falou ao Valor antes da divulgação de que a perda de receita com a desoneração de folha seria compensada pela cobrança de contribuição previdenciária de 7,5% sobre o seguro-desemprego.

Procurado para comentar esse ponto, o economista respondeu, por meio da assessoria de imprensa do Insper, que mantinha sua avaliação sobre o programa, cujas principais diretrizes haviam sido antecipadas pela imprensa.

Na contramão de boa parte dos analistas, Paes de Barros não considera que a recuperação do mercado de trabalho esteja sendo lenta na saída da recessão. “Hoje temos mais empregados do que tínhamos em 2012. Há uma quantidade de empregados no setor privado com carteira um pouquinho menor do que tínhamos naquele ano, mas é muito parecido. Então, dado que o PIB caiu quase 7%, o mercado de trabalho até que reagiu bem.”

Quanto à atual gestão do Ministério da Educação (MEC), o economista avalia que ela padece de problema similar às gestões anteriores: não aproveita as experiências exitosas de Estados e municípios na educação básica. “Se tem uma missão para o MEC, que ele talvez não esteja desempenhando tão bem como deveria, é identificar, mapear e divulgar essas grandes soluções”, afirma. “O MEC nunca teve e hoje, apesar do discurso todo de ‘mais Brasil, menos Brasília’, não tem ainda esse enfoque.”

Paes de Barros não concorda com a avaliação de alguns analistas de que a proposta de unificação dos pisos de investimento em saúde e educação pode resultar em canibalização dos recursos do ensino pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “Eu seria muito mais radical do que isso. Acho que essas coisas não deviam ter nenhum piso e cada um vai gastar da maneira que acha mais eficiente”, sugere ele, citando a diferença de estrutura etária entre os municípios, entre outros fatores.

Ao falar sobre o Grupo de Altos Estudos do Trabalho (Gaet), o economista afirma que a ideia é melhorar a eficiência do gasto em um Estado já bastante generoso. “O Brasil precisa de uma reforma

trabalhista muito gigante, num sentido amplo. Estamos falando de mudar legislação e toda a política de emprego”, diz ele. “Muito da nossa legislação atrapalha o crescimento, não ajuda em nada o trabalhador. A gente atrapalha o trabalhador se beneficiar do crescimento.”

Paes de Barros não vê como um problema a ausência de representantes dos trabalhadores no grupo, o que tem sido alvo de críticas pelas centrais sindicais. “O ministro tem direito de dizer ‘eu quero escutar essas pessoas e não aquelas outras pessoas’. Isso é um conselho científico dando um apoio para ele”, diz. “O bom cientista está escutando e levando em consideração toda a evidência que existe disponível.”

Sem falar das medidas em estudo pelo Gaet, o especialista dá sua opinião sobre mudanças que considera necessárias no mercado de trabalho. “A gente precisa parar de taxar trabalho, precisa ajudar os trabalhadores a ter uma melhor qualificação e a encontrar as melhores posições”, diz ele. “Precisamos tornar toda a generosidade do nosso sistema de transferência - de FGTS, seguro-desemprego, abono salarial - mais bem desenhada. E precisamos entender que os trabalhadores querem ser mais independentes e como vamos acomodar isso sem incorrer na precarização das relações de trabalho.”

Para o Bolsa Família, o professor sugere três ajustes principais: uso de uma renda presumida, em vez apenas da declarada pelas pessoas; realização de visitas domiciliares para melhorar a qualidade do Cadastro Único; e a elaboração de um mapa da pobreza pelo IBGE, para definir cotas de bolsas por município. “É preciso melhorar a focalização do programa e eliminar todos os desincentivos que podem existir nele, porque o cara tem medo de perder o Bolsa Família se voltar a trabalhar”, observa Paes de Barros.

Antes de fazer parte do Gaet, o economista também liderou o grupo que definiu a redução do questionário do Censo de 2020 em 32%. Quanto à sua colaboração com a gestão de Jair Bolsonaro, Paes de Barros diz que colabora com todo governo, qualquer que seja sua orientação, desde que democraticamente eleito.

“Quem estiver na universidade e for escolher governo para colaborar está maluco. Não está fazendo ciência, está fazendo alguma outra coisa. Meu objetivo é colocar a informação e a ciência à disposição de qualquer governo.”