Valor Econômico, v. 20, n. 4879, 13/11/2019. Legislação & Tributos, p. E2
Hipoteca reversa: renda extra ao aposentado
Guilherme Zangirolami de Almeida
No início deste ano, diversos veículos noticiaram que o Ministério da Economia estaria empenhado em viabilizar a criação do instituto denominado hipoteca reversa, uma espécie de garantia imobiliária destinada a idosos que precisem de renda e têm a propriedade de bem imóvel para oferecer ao credor. É uma modalidade de garantia utilizada há décadas nos Estados Unidos e há alguns anos em países europeus.
A princípio, esta operação é exclusivamente destinada a pessoas físicas que sejam idosas, pois tem como base a concessão de empréstimo com pagamentos vitalícios ao beneficiário, que, em contrapartida, transfere ao credor a propriedade de um imóvel para garantir o pagamento do empréstimo. Considerando que não há fluxo de pagamento da dívida enquanto o idoso estiver vivo, trata-se de dívida com amortização negativa, ou seja, o saldo da dívida aumenta ao longo do tempo.
Em apertado resumo, as etapas envolvem as seguintes: o idoso tem a propriedade de um bem imóvel; após determinado processo de análise de crédito e expectativa de vida, o credor concede empréstimo ao idoso, que permanece na posse do imóvel e transfere a propriedade ao credor; o credor constitui em favor do idoso a hipoteca reversa; o idoso vem a falecer e a hipoteca reversa se extingue Os herdeiros do idoso pagam a dívida e recebem o imóvel ou o credor leva o imóvel a leilão, para que o produto da venda do imóvel seja utilizado para pagamento da dívida.
Vale dizer que, em virtude de continuar na posse do imóvel durante a vigência da hipoteca reversa, o idoso é o responsável pelo pagamento dos tributos, eventuais contribuições condominiais e seguro do imóvel.
Em tese, as condições de liberação dos recursos ao idoso podem variar (pagamentos mensais, anuais ou sem periodicidade definida) e a principal hipótese de vencimento da dívida e extinção da hipoteca reversa é a morte do credor reverso (idoso).
A discussão é recente, mas não é inédita. O primeiro projeto de lei que tratou do tema é de 2011, de autoria da deputada Andreia Zito, que logo o retirou de pauta. Atualmente, há dois projetos de lei para a criação da hipoteca reversa, um em cada casa do Congresso Nacional: o PL 52/2018, de autoria do Senador Paulo Bauer, e o PL 3069/2019, de autor
Deputado Vinicius Farah. Este último traz o mesmo texto do projeto de 2011, enquanto o PL que tramita no Senado Federal traz mais detalhes sobre a operação, mas ambos precisam ser aperfeiçoados para que a lei atenda às necessidades da população idosa e traga segurança jurídica aos envolvidos.
Alguns pontos relevantes a serem amplamente discutidos nos projetos de lei são: a operação não seria privativa de pessoas físicas ou jurídicas do Sistema de Financiamento Imobiliário - SFI (caixas econômicas, bancos comerciais, bancos de investimento, bancos com carteira de crédito imobiliário, sociedades de crédito imobiliário, associações de poupança e empréstimo e companhias hipotecárias); não há previsão de critérios objetivos e de aconselhamento prévio para contratação do empréstimo pelo credor hipotecário reverso, como há nos Estados Unidos; a princípio, a idade mínima para contratar a hipoteca reversa seguiria o critério do Estatuto do Idoso (no mínimo 60 anos); a lei não determina se haverá incidência do imposto de transmissão de imóveis inter vivos (ITBI) e, em caso positivo, quem será responsável por seu pagamento na ocasião da transmissão do imóvel ao devedor hipotecário reverso e/ou na transmissão do imóvel aos herdeiros, em caso de falecimento do idoso nos primeiros cinco anos - chamado de prazo de carência.
Outras questões a serem debatidas são: a vedação de alugar o imóvel (considerando que este não deveria ser fonte de renda e, sim, de moradia do idoso); a possibilidade de venda do imóvel enquanto o idoso está vivo, com a substituição do imóvel objeto da hipoteca reversa - como há em outros ordenamentos. Em outras palavras, o idoso ficaria vinculado ao credor até o seu falecimento-; o prazo curto de 30 dias contado do óbito do idoso para que os herdeiros retirem seus bens pessoais do imóvel.
Por fim, a forma de pagamento do valor do empréstimo pelos herdeiros do idoso, se a hipoteca for extinta nos primeiros 5 (cinco) anos, e os procedimentos para leilão do imóvel e a quitação ou restituição de valores não foram descritos de forma clara.
De todo modo, considerando o atual cenário econômico, não há dúvidas que, se a lei for devidamente debatida entre os representantes da população e as instituições interessadas em contratar este tipo de operação, estaremos diante de opção que tende a ser rapidamente aplicada por empresas de crédito pessoal, principalmente.
Guilherme Zangirolami de Almeida é advogado da área de Direito Imobiliário de Felsberg Advogados
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