O Estado de São Paulo, n. 46806, 11/12/2021. Internacional p.A16

 

Rússia exige garantias de que Ucrânia não será aceita na Otan

 

O Kremlin exigiu ontem que a Otan volte atrás na promessa feita em 2008 de aceitar eventualmente a adesão de Ucrânia e Geórgia – duas ex-repúblicas soviéticas. O vice-chanceler russo, Serguei Ryabkov, pediu também garantias de que a aliança atlântica não envie armas para países que fazem fronteira com a Rússia. Na quinta-feira, ele já havia declarado que a tensão na Ucrânia é o pior impasse militar desde a Crise dos Mísseis em Cuba, em 1962.

O presidente russo, Vladimir Putin, pretende apresentar uma proposta de pacto formal com a Otan para impedir a expansão da aliança militar ocidental. Ontem, Ryabkov alertou que a ausência de um acordo pode provocar um grave confronto dos russos contra forças americanas e europeias. "Esse comportamento irresponsável cria ameaças inaceitáveis à nossa segurança e provoca sérios riscos militares para todas as partes envolvidas, até o ponto de um conflito em grande escala na Europa", disse o vice-chanceler.

 

REJEIÇÃO. A exigência da Rússia já foi rejeitada pelos EUA, pela Otan e pelo governo ucraniano. Jens Stoltenberg, secretário-geral da aliança atlântica, disse ontem que a posição da organização permanece a mesma. "É um princípio fundamental que cada nação tem o direito de escolher seu próprio caminho, incluindo o tipo de acordo de segurança do qual deseja fazer parte", afirmou.

Marta Dassu, ex-vice-chanceler da Itália, afirmou ser impossível aceitar explicitamente a proposta de Putin para que a possibilidade de adesão da Ucrânia seja descartada. "Por fim, o que resta é tentar desenvolver a dissuasão militar. Mas só o que se pode fazer é apelar para mais sanções econômicas, e provavelmente isso não é suficiente", disse.

A crise na Ucrânia é um conflito criado por Putin para evitar o avanço da Otan na direção de ex-repúblicas soviéticas, o que deixaria a Rússia mais vulnerável a qualquer operação militar em suas fronteiras. A disputa com os ucranianos é antiga, mas esquentou em 2014, quando forças russas anexaram a Península da Crimeia, garantindo domínio do Porto de Sebastopol e acesso ao Mar Negro.

Na época, os EUA e a UE responderam com sanções contra indivíduos e organizações russas, incluindo o congelamento de bens e proibição de viagens. Putin não se comoveu. Um mês depois, milícias separatistas apoiadas pela Rússia iniciaram uma guerra civil nas regiões de Donetsk e Luhansk, na bacia do Rio Donets.

 

GEÓRGIA. Com isso, a Rússia praticamente repetiu a fórmula adotada na Geórgia, criando territórios autônomos leais a Moscou dentro de uma ex-república soviética, minando a estabilidade e aumentando a influência russa.

Na Geórgia, esse papel de "província rebelde" é exercido pela Abkházia e pela Ossétia do Sul, duas regiões independentes, de acordo com o Kremlin, mas que não são reconhecidas por quase ninguém – exceto pelos governos de Nicarágua, Venezuela e Síria.

Para manter pressão sobre o Ocidente, segundo agências de inteligência dos EUA, Putin teria feito planos para atacar a Ucrânia no início de 2022 e seria capaz de mobilizar 175 mil soldados – boa parte já estaria posicionada na fronteira. A Rússia nega e diz que a movimentação é parte de um exercício militar de rotina.

"Este é o trabalho da vida de Putin. Tudo o que ele fez como presidente foi para combater a expansão da Otan", disse a analista Tatiana Stanovaya, fundadora da consultoria política R. Politik ao jornal Financial Times. "Para ele, é agora ou nunca." / REUTERS e NYT

 

Para lembrar

Origem da rivalidade e resquícios da Guerra Fria

• Histórico de avanços

A Otan é uma aliança militar defensiva criada para conter uma potencial invasão da União Soviética. Desde que foi fundada, qualquer expansão da organização provoca um terremoto em Moscou. • Pacto de Varsóvia Os soviéticos não reagiram imediatamente após a fundação da Otan, em 1949. O Kremlin só se sentiu ameaçado mesmo anos depois, em 1955, quando a aliança ocidental promoveu sua primeira grande adesão: a Alemanha Ocidental. Foi por isso que a União Soviética decidiu criar o Pacto de Varsóvia, que durante a Guerra Fria se tornou a nêmesis da Otan.

 

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Quatro maneiras de evitar a guerra de Putin

 

ANÁLISE: JAMES STAVRIDIS

 

Em 2014, Vladimir Putin anexou a Crimeia. Sete anos depois, ele se prepara para atacar a Ucrânia de novo. Quais são as melhores ferramentas para detêlo? A primeira é inteligência e comunicação estratégicas. Reunindo informações de todo tipo de fonte, organizando-as de maneira coerente e informando-as ao público, os EUA podem reunir uma coalizão para impor novas punições. O governo americano não pode revelar suas fontes, nem seus métodos, mas pode divulgar relatórios não sigilosos. Fotos de tropas e equipamentos militares russos valem mais que mil palavras.

A segunda é a guerra cibernética. A Agência de Segurança Nacional (NSA) e o Comando Cibernético dos EUA estão investigando o sistema de comando e controle das forças de invasão russas. Apesar disso, atuar em segredo total não é conveniente. Os russos precisam "ver" os americanos atuando. Os russos usaram ciberataques de maneira muito eficiente na Ucrânia e na Geórgia. Agora, precisam saber que já não têm mais essa vantagem.

A terceira estratégia é econômica. As sanções deveriam incluir passos adicionais contra aliados de Putin: bancos estatais e o setor de óleo e gás – ainda que isso seja difícil dada a dependência energética da Europa. Sanções secundárias contra empresas que fazem negócios na Rússia também ajudariam a pressionar Moscou, como retirar os russos do sistema Swift – usado por bancos no mundo todo, uma sanção que devastou a economia iraniana.

Em termos de ajuda militar à Ucrânia, o Pentágono deu a Biden um cardápio significativo: sistema antimísseis, peças de artilharia móvel e drones de ataque, além de suporte logístico. O Departamento de Defesa pode ainda ceder um sistema antiaéreo para conter armas russas mais modernas.

Por fim, Putin rejeita a ideia de tropas ocidentais perto de sua fronteira. Ele pede que a Otan desista de expandir para o leste. O Ocidente não deve cair nessa. Putin deve ser alertado de que uma invasão à Ucrânia teria o efeito oposto, um aumento sensível da presença americana no Báltico, na Polônia, na Romênia e na Bulgária.

Outra forma de pressão é começar a patrulhar o Mar Negro com destróieres que estão ancorados na Espanha. Putin já invadiu seus vizinhos duas vezes nos últimos 13 anos. Deixá-lo fazer isso outra vez pode ser um grande retrocesso.