O Estado de São Paulo, n. 46808, 13/12/2021. Notas & Informações p.A3

 

Governos ruins temem a realidade

 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, não tem poder para alterar os dados da realidade que desmentem um Brasil inventado sob medida para suas palestras e entrevistas, no qual só ele parece acreditar. Ao invés de assumir o cargo de uma vez por todas e trabalhar para tornar perceptível para os brasileiros aquele país fiscalmente responsável, que não para de crescer e gerar empregos, Guedes, ao contrário, parece disposto a insistir na fantasia. É o que se conclui do anúncio de criação de uma nova secretaria especial do Ministério da Economia que tem tudo para servir de fonte oficial dos chamados “fatos alternativos”.

No dia 3 passado, Guedes anunciou que pretende criar “em breve” o que chamou de “think tank” para produzir relatórios, estudos e dados para o governo. Trata-se de uma nova secretaria especial da pasta – chamada de “Secretaria Especial de Estudos Econômicos”, a cargo do atual secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida – que abrigará sob uma mesma estrutura administrativa o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a atual Secretaria de Assuntos Econômicos, além de incorporar o departamento de estudos microeconômicos da Secretaria Especial de Produtividade e Competitividade (Sepec). O ministro ainda não disse como pretende viabilizar a união desses órgãos do ponto de vista legal.

Dado o histórico de Paulo Guedes no Ministério da Economia, uma espécie de Midas às avessas, a medida tem tudo para dar errado, a começar pelo objetivo de fundo que a inspira. É evidente que a intenção de Guedes com a nova secretaria especial não é outra senão intervir diretamente na produção do IBGE e do Ipea, hoje duas usinas de más notícias para o governo federal. Guedes é um notório crítico de instituições que publicam dados que desagradam a ele ou ao presidente da República. No entanto, o ministro não compreende – ou não quer compreender – que se há dados negativos para o governo federal é porque o próprio governo os produz aos borbotões.

Há muitas décadas, tanto o IBGE como o Ipea são centros de excelência na produção de relatórios, estudos e dados que ajudam a compreender o Brasil e que servem de material fidedigno para a formulação de políticas públicas nas mais variadas áreas. Os relatórios do IBGE, por exemplo, fornecem informações relevantíssimas nos campos da demografia, do trabalho, da saúde, da educação, do comércio e da indústria, entre outros. Qualquer debate sério no País sobre desigualdade e distribuição de renda passa, necessariamente, pelos estudos elaborados pelos economistas do Ipea. Nem durante o período da ditadura militar houve intervenções nestes dois órgãos para moldar o resultado de seus estudos aos interesses de ocasião do governo federal. No pior dos casos, os dados eram “apenas” ignorados.

Como se vê, não faz sentido o ministro Paulo Guedes defender a criação de uma “fábrica de ideias e estudos”, pois ela já existe. O governo do qual faz parte é que não gosta das ideias e dos estudos que a “fábrica” produz. Portanto, o que o governo do presidente Jair Bolsonaro pretende é muito diferente. Pouco a pouco, Bolsonaro está convertendo – ou tentando converter – órgãos de Estado e de governo em estruturas próprias para o atendimento de seus interesses particulares. Foi assim com a Procuradoria-geral da República, foi assim com a Polícia Federal, foi assim a Agência Brasileira de Inteligência, entre tantos outros órgãos vinculados a Ministérios. O que se pretende com a criação da Secretaria Especial de Estudos Econômicos é, em português cristalino, subjugar o IBGE e o Ipea.

A mera intenção de fazê-lo já diz muito sobre este governo que aí está. Contudo, trata-se de uma medida de difícil implementação no prazo de um ano, tempo que falta para o término do mandato de Bolsonaro. Caso o presidente não seja reeleito, é muito provável que a nova secretaria especial deixe de existir ou sirva a melhores propósitos. Já se Bolsonaro for reeleito o País tem muito mais a temer.