O Estado de São Paulo, n. 46810, 15/12/2021. Política p.A8

 

Congresso amplia ‘tratoraço’ após Supremo liberar orçamento secreto

André Shalders

Breno Pires

Desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) liberou a novamente a execução do orçamento secreto, no começo deste mês, o governo empenhou até ontem R$ 1,38 bilhão. Ao contrário do que alegou o comando do Congresso ao STF, porém, a saúde e a educação estão longe de ser prioridade. Os ministérios responsáveis por essas áreas receberam apenas 4,6% dos recursos que foram reservados pelo Executivo. A maior parte das verbas (77%) foi para ações orçamentárias ligadas à pavimentação de ruas e à compra de maquinário pesado, como tratores.

Ao longo de 2020 e 2021, o governo reservou para despesas mais de R$ 30 bilhões das emendas de relator, identificadas pelo código RP9. A modalidade está na base do esquema do orçamento secreto, revelado pelo Estadão, e tem sido usada pelo Palácio do Planalto para distribuir indicações entre políticos aliados, em troca de apoio em votações importantes no Congresso.

Ao defender no STF a liberação das emendas de relator, o comando do Congresso apontou que nessa rubrica havia R$ 7,6 bilhões autorizados no Orçamento, mas não empenhados. Se não for utilizado até o fim do ano, o dinheiro "se perde", ou seja, volta para o Tesouro Nacional. Do montante pendente, R$ 2,4 bilhões são da área da saúde, segundo o Congresso.

O argumento convenceu a relatora do caso, ministra do STF Rosa Weber. "Por ora, entendo acolhível o requerimento (...), considerado o potencial risco à continuidade dos serviços públicos essenciais à população, especialmente nas áreas voltadas à saúde e educação", escreveu Rosa na decisão que liberou os pagamentos.

Até agora, no entanto, o Executivo não priorizou a saúde e a educação na liberação dos recursos da rubrica RP9. Desde terçafeira foram empenhados R$ 1,38 bilhão. Deste total, 78% (ou R$ 1,08 bilhão) foram transferidos para o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR). Comandada por Rogério Marinho, a pasta tem sob seu guarda-chuva orçamentário a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) e é responsável pela distribuição de maquinário pesado a municípios. Em seguida vêm os ministérios da Cidadania (R$ 100 milhões empenhados), e da Ciência, Tecnologia e Inovações (R$ 75 milhões).

A reserva de dinheiro para as pastas da Educação e da Saúde foi pequena até agora: R$ 62,8 milhões e R$ 788 mil, respectivamente. Juntos, os dois ministérios perfazem menos de 5% do total. Os dados foram extraídos ontem do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) pela ONG Contas Abertas.

 

PREFEITURAS. As obras de pavimentação e a compra de maquinário pesado para apoiar prefeituras têm sido prioridade para o Executivo desde que o STF autorizou novamente a execução das emendas de relator. As duas ações orçamentárias com mais recursos liberados foram as de Apoio a Projetos de Desenvolvimento Sustentável Local Integrado (código 7K66) e Apoio à Política Nacional de Desenvolvimento Urbano Voltado à Implantação e Qualificação Viária (1D73). A primeira inclui, além da pavimentação de vias, a "aquisição de máquinas e equipamentos de apoio à produção". A segunda diz respeito à "implantação e qualificação de infraestrutura viária urbana". Juntas, as duas ações tiveram pouco mais de R$ 1 bilhão empenhado até agora, ou 77% do total.

O relator-geral do Orçamento de 2021, senador Márcio Bittar (PSL-AC), começou a publicar, ontem, nomes e ofícios de congressistas e prefeitos que solicitaram a destinação de recursos das emendas. As informações estão sendo divulgadas pouco a pouco no site da Comissão Mista de Orçamento (CMO), de forma parcial, e não sistemática. Há uma tabela que sistematiza as indicações, mas ela traz algumas anotações incompreensíveis.

"O detalhamento mostra que a ação orçamentária com maiores valores empenhados é a de 'Apoio a Projetos de Desenvolvimento Sustentável Local Integrado', do Ministério do Desenvolvimento Regional. Nesta ação é que se dá a compra de escavadeiras e tratores", afirmou o economista e presidente da Contas Abertas, Gil Castelo Branco.

 

TRANSPARÊNCIA. Para o cientista político Marcelo Issa, do Movimento Transparência Partidária, o modelo do RP9 continua tendo problemas, mesmo com a divulgação de alguns responsáveis pelas indicações. "Os dois principais problemas continuam: primeiro, a inconstitucionalidade do uso que está sendo feito (das

emendas de relator). Não se prestam a isso, mas simplesmente a corrigir erros e omissões (no texto da Lei Orçamentária). Segundo ponto: a falta de critérios objetivos para a distribuição dos recursos (...). Se o relator começar a receber uma enxurrada de pedidos, vindos de todas as prefeituras do País, qual será o critério para atender ou não? A LDO determina que sejam seguidos critérios socioeconômicos objetivos", afirmou Issa. 

 

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Câmara começa a publicar nomes de parlamentares

 

O site da Câmara começou a publicar nomes e ofícios de parlamentares que solicitaram repasses de emendas de relator-geral do Orçamento neste mês. A medida foi tomada após aprovação de resolução do Congresso sobre o tema, mas atende apenas em parte à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou a divulgação dos autores desses pedidos de emendas.

Apesar da exigência do STF, em alguns casos aparecem apenas os nomes de prefeitos, e não dos parlamentares solicitantes dos repasses que formam a base do orçamento secreto.

Os documentos que começaram a ser publicados incluem também ofícios do relator-geral do Orçamento de 2021, o senador Márcio Bittar (PSL-AC), com as solicitações que encaminhou ao governo. Não é apresentada, no entanto, nenhuma fundamentação para as indicações, apenas registros de demandas. O relator-geral não explica, por exemplo, os critérios para destinação de valores. Em alguns casos, Bittar atendeu diretamente a prefeitos do Maranhão, da Bahia e secretarias estaduais do Tocantins e do Paraná, quando seu Estado natal e base eleitoral é o Acre, sem informar qualquer razão.

Em uma planilha editável disponibilizada no site é possível constatar que o líder do Progressistas, o deputado Cacá Leão (BA), decidiu a destinação de R$ 45 milhões, quase três vezes acima dos valores que qualquer parlamentar tem direito a indicar por meio de emendas individuais, identificadas no Orçamento com o código RP-6.