Valor Econômico, v. 20, n. 4882, 19/11/2019. Brasil, p. A3

Proposta do Executivo tem pontos de contato com textos do Congresso

Marta Watanabe

A proposta de reforma tributária do governo federal tem escopo maior em termos de diversidade de bases tributárias, já que estabelece um cronograma que inclui mudança no IR das pessoas físicas e a desoneração de folha. Mas no campo da tributação sobre consumo, tema mais imediato das duas principais propostas de reforma tributária que tramitam no Congresso, é menos ambiciosa e não se contrapõe com o que já está sendo discutido. Apesar disso, deve enfrentar resistências dos parlamentares.

Ao contrário, a ideia da primeira fase da reforma do governo federal - unificação do PIS e da Cofins em um tributo com caráter de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) - se harmoniza com a PEC 45, que tramita na Câmara dos Deputados, e com a PEC 110, que tramita no Senado. As duas PECs propõem a criação de um IVA. A grande diferença em relação ao IVA proposto pelo governo federal é que os dois projetos que estão no Legislativo contemplam, além de tributos federais, também o ICMS dos Estados e o ISS dos municípios.

Segundo entrevista do secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, ao jornal “O Estado de S. Paulo”, apesar dessa diferença importante, o IVA federal poderia se harmonizar às propostas e também compor um IVA dual. Essa forma de cobrança chegou a ser mencionada pelo ex-secretário da Receita Marcos Cintra. Nesse modelo, o IVA federal reunindo PIS e Cofins coexistiria com um IVA que reuniria ICMS e ISS.

O discurso de Tostes Neto, porém, difere do de Cintra. Antes de deixar o governo, em setembro, o ex-secretário chegou a dizer que o IVA da PEC 45 atendia aos requisitos de um livro-texto e centrava suas forças na defesa da CPMF. Tostes Neto usa outro discurso e defende um IVA de forma muito mais próxima aos argumentos usados pelo economista

Bernard Appy, um dos autores da proposta que deu origem exatamente à PEC 45.

Tostes Neto defende a criação de um IVA ressaltando que o tributo já foi experimentado em mais de 180 países, é mais simples e é mais benéfico porque permite o uso de todos os créditos tributários, sendo capaz de alcançar bens intangíveis. De forma semelhante a Appy, Tostes Neto menciona a necessidade de um tratamento mais igualitário na tributação, com o fim de regimes especiais e a possibilidade de reembolso do tributo pago para a população de baixa renda.

Atualmente a unificação de tributos sobre consumo pretendida pelas duas PECs que tramitam no Congresso sofre resistências de segmentos como saúde, educação e construção civil, que são contra não só à unificação total dos tributos como à alíquota única. A resistência não se restringe às empresas, mas também contemplam municípios, principalmente as capitais, que tendem a perder arrecadação com a mudança da tributação da origem para o destino, princípio comum ao IVA.

Ainda no âmbito da tributação indireta, há outras diferenças, menores, entre a proposta do governo federal e as que tramitam no Congresso. A proposta do governo federal sugere que o IPI seja usado como imposto seletivo e não o inclui entre os tributos federais que formariam o IVA. Na PEC 45, o IPI entra na cesta de tributos que seriam unificados no IVA. Na PEC 110, do Senado, além de PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS, o IVA englobaria IOF e salário-educação. Estes dois últimos também recolhidos pela União.

A ideia de um imposto seletivo, porém, tem alguma aderência com as PECs em andamento. A PEC 45, da Câmara, estabelece um imposto seletivo sobre “serviços geradores de externalidades negativas”, como cigarro ou bebidas alcoólicas. Mais amplo, o imposto seletivo da PEC 110 tributaria, além de fumo e bebidas, energia elétrica, telecomunicações, combustíveis e automóveis.

Pelo cronograma mencionado por Tostes, a reforma do governo federal deve se estender também para o IR e chegar à desoneração da folha. O governo federal quer elevar a faixa de isenção do IR das pessoas físicas, limitando deduções com saúde e educação e tributando dividendos.

Nenhuma das propostas que está no Congresso altera o IR das pessoas físicas. E nenhuma delas toca na desoneração de folha, embora esse seja um pleito conhecido do setor de serviços.

No caso do IR das pessoas jurídicas, a PEC 110 propõe a unificação dos tributos cobrados atualmente sobre o lucro, como IR e CSLL. O governo federal quer reduzir a alíquota dos dois tributos de 34% para 20% de forma gradativa. A ideia também não é nova e chegou a ser mencionada no início do ano pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. A redução de 34% para 20% do IR das empresas somado à CSLL viria como forma de compensar a tributação sobre dividendos e alinhar a carga sobre lucro do Brasil com a de outros países. A PEC 45 não trata de IR porque é restrita à tributação sobre consumo.