O Estado de São Paulo, n. 46812, 17/12/2021. Política p.A8

 

Mendonça diz que critério evangélico é de inclusão social

 

Weslley Galzo

Felipe Frazão

 

O primeiro ato do novo ministro do Supremo Tribunal Federal, André Mendonça, logo após tomar posse, na tarde de ontem, foi participar de um culto de Ação de Graças em sua homenagem na Catedral da Baleia, sede da Assembleia de Deus Ministério Madureira, em Brasília. A celebração contou com a presença do presidente Jair Bolsonaro, da primeira-dama Michelle, de deputados, senadores, ministros e integrantes do Judiciário.

O magistrado "terrivelmente evangélico", alcunha dada por Bolsonaro, foi recebido naquele templo com canções e louvores. Abraçou o presidente e agradeceu pela indicação. Os dois apontaram para o céu. O novo ministro do Supremo foi apresentado não só pelo nome que adotou na Corte, mas com o título religioso: "Pastor André Mendonça".

"Embora o critério evangélico não seja constitucional, é uma forma de inclusão social", disse o magistrado, que cumprimentou líderes de várias denominações religiosas. "Nós tomamos tubaína juntos, trocamos informações e sentimentos, chegamos a quase chorar juntos. Sinto nele uma coisa que escapa pelas mãos de alguns: a gratidão", afirmou Bolsonaro. Michelle, por sua vez, conclamou o novo ministro a "combater o mal com amor".

 

'SALTO'. Ao discursar, Mendonça defendeu mais uma vez o Estado laico, mas adotou posição ambígua ao comparar sua chegada ao STF a "um passo para um evangélico, mas um salto para toda a igreja". Poucas horas antes, ele havia tomado posse no Supremo em cerimônia também prestigiada pelo presidente, pelo vice Hamilton Mourão e por chefes dos Poderes. Ali, fez questão de destacar que pretendia ajudar a "consolidar a democracia" e defendeu a liberdade de imprensa.

"O primeiro compromisso que eu queria reiterar, na verdade, é com a democracia, os valores da nossa Constituição e, em especial, com a Justiça. A Justiça enquanto valor e ideal", afirmou Mendonça. "Eu espero poder contribuir com a Justiça brasileira e o Supremo Tribunal Federal e ser, ao longo desses anos, um servidor e um ministro que ajude a consolidar a democracia, esses valores, garantias e direitos, que já estão estabelecidos nos interesses da nossa Constituição."

Ex-advogado-geral da União e ex-ministro da Justiça, Mendonça disse que a imprensa poderia contar com seu respeito na "defesa irrestrita da liberdade e das prerrogativas do livre exercício da profissão" de jornalista. "Vocês são fundamentais para a construção do nosso país e da nossa democracia", afirmou. Ao menos no discurso sobre a imprensa, o ministro procurou se "descolar" de Bolsonaro.

 

TENSÃO. Segundo nome indicado pelo presidente para o STF, Mendonça assume o cargo em novo momento de tensão entre o Planalto e a Corte, uma vez que há inquéritos contra Bolsonaro e aliados tramitando ali. No ano passado, o presidente emplacou no tribunal Kassio Nunes Marques, mas foi o nome "terrivelmente evangélico" que enfrentou as maiores resistências.

O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins, e o ministro do STF Ricardo Lewandowski prestigiaram o culto. Adventista, Martins foi preterido pelo Planalto e não teve apoio de líderes religiosos. Em discurso improvisado, ele destacou virtudes cristãs do novo ministro e cometeu duas gafes: saudou o presidente como Jair "Soares" Bolsonaro, em vez de "Messias", e trocou rei Salomão por "apóstolo Salomão"./ COLABOROU EDUARDO GAYER

 

Aposentadorias

• Ricardo Lewandowski

Indicado por Lula em 2006, deve se aposentar em 2023.

 

• Rosa Weber

Indicada por Dilma em 2011, deve deixar a Corte em 2023.

 

• Luiz Fux

Indicado por Dilma em 2011, deve se aposentar em 2028.

 

• Cármen Lúcia

Indicada por Lula em 2006, deve se aposentar em 2029.

 

• Gilmar Mendes

Indicado por FHC em 2002, deve deixar o STF em 2030.

 

• Edson Fachin

Tem aposentadoria prevista para 2033. Foi indicado por Dilma em 2015.

 

• Luís Roberto Barroso

Indicação de Dilma em 2013, deve se aposentar do Supremo em 2033.

 

• Dias Toffoli

Completará 75 anos em novembro de 2042. Foi indicado por Lula em 2009.

 

• Alexandre de Moraes

Ministro deve deixar a Corte em 2043. Ele foi indicado pelo ex-presidente Michel Temer para o cargo em 2017.

 

• Kássio Nunes Marques

Foi a primeira indicação de Jair Bolsonaro para o Supremo, em 2020. Ministro deve deixar a Corte em 2047.

 

• André Mendonça

Assim como Kássio Nunes Marques, ministro recém-empossado pode ficar no Supremo até 2047.

 

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Dilemas do ministro vão continuar a aflorar

 

ANÁLISE: Maria Tereza Sadek

 

Bolsonaro indicou, a Comissão de Constituição e Justiça sabatinou e o plenário do Senado aprovou o nome de André Mendonça para ocupar uma cadeira no STF. Aparentemente, o ritual foi cumprido. Houve, contudo, singularidades: uma longa espera (a maior entre todos já indicados); a dubiedade do patrono; a força da bancada e de lideranças evangélicas; o mais baixo porcentual de aprovação entre todos os ministros. O comportamento do Senado não causou surpresa: tradicionalmente aprova o nome indicado pela Presidência. A recusa é a exceção. Sua ocorrência, de tão longínqua, no século 19, já caiu no esquecimento.

Dilemas e dúvidas continuam a aflorar: crenças religiosas se imporão sobre preceitos constitucionais? Será respeitada a laicidade do Estado? Distinguirá os interesses do governo daqueles do Estado? Questões relacionadas a costumes serão tratadas à luz da Bíblia ou da Constituição? Dúvidas como essas não são de natureza abstrata, mas se assentam no desempenho passado do futuro integrante da Corte Suprema, tanto quando chefiou a AGU quanto como ministro da Justiça.

O voto de um ministro, seus pedidos de vista têm impactos no desempenho e na imagem do Judiciário. Temas sensíveis constam da agenda: legalização do aborto; descriminalização do uso de drogas; se detentas transexuais e travestis têm o direito de escolher o presídio onde cumprirão pena; fornecimento de medicamentos de alto custo pelo Estado; meio ambiente e queimadas; reforma agrária; taxação de grandes fortunas; demarcação de terras indígenas; posse de armas; fixação de um prazo para que o presidente da Câmara analise requerimentos de impeachment contra Bolsonaro.

O resultado do confronto entre o "terrivelmente evangélico" e o "constitucionalista garantista" definirá o perfil do novo ministro, bem como se o passado seria um previsor do futuro. Um perfil que dificilmente ficará congelado – serão 27 anos de mandato. Também será possível constatar se Bolsonaro terá, como apregoa, 20% dele dentro do Supremo (soma de Kassio Nunes e André Mendonça).

Até o fim do mandato o presidente ainda poderá indicar integrantes do STJ. Trata-se de atribuição prevista constitucionalmente. Uma atribuição dividida com o Senado. Não são responsabilidades meramente formais e menos ainda podem se transformar em oportunidades para "a gente vai mudando as coisas, vai escolhendo gente com perfil parecido com essa maioria que votou em mim". Decisões ou não decisões de Cortes têm reflexos nas instituições, nos direitos, na qualidade da democracia.