Valor Econômico, v. 20, n. 4882, 19/11/2019. Legislação & Tributos, p. E1

Medida impede destinação de recurso à região afetada

Adriana Aguiar


Além de limitar as multas nos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs), a Medida Provisória (MP) nº 905 obriga que todos os valores arrecadados pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em penalidades sejam direcionados ao Programa de Habilitação e Reabilitação Física e Profissional, Prevenção e Redução de Acidentes de Trabalho.

Até então, o procurador do caso poderia destinar as quantias a programas em regiões afetadas. Há montantes aplicados, por exemplo, na construção de hospitais, centros de pesquisas, reforma de escolas e aulas de circo para crianças.

No maior acordo já firmado na Justiça do Trabalho por dano moral coletivo, o total de R$ 200 milhões foi investido em projetos de saúde dos municípios de São Paulo e do Pará. O ajuste foi feito no caso que ficou conhecido como Shell-Basf, que tratava da contaminação de empregados de uma fábrica de agrotóxicos em Paulínia (SP).

Do montante, R$ 19,362 milhões foram usados para construir um centro de pesquisa de câncer infantil no Centro Infantil Boldrini – hospital filantrópico especializado em oncologia e hematologia pediátrica em Campinas (SP). Outra parte foi para a aquisição de quatro carretas equipadas para o diagnóstico de câncer. O Hospital do Câncer de Barretos (SP) também foi beneficiado, com R$ 69,965 milhões.

No Pará, um barco-hospital passou a atender cerca de mil comunidades ribeirinhas. Cerca de 48,37% da população da região encontra-se abaixo da linha da pobreza e não possui atendimento de saúde. A condenação ainda garante o atendimento médico vitalício a 1058 vítimas habilitadas no acordo com a Shell e a Basf e pagamento de danos morais e materiais aos ex-trabalhadores e famílias.

O procurador-geral do Trabalho, Alberto Bastos Balazeiro, na nota técnica nº 1, afirma que tanto nas ações civis públicas como nos TACs, o objetivo das indenizações é “restituir, restaurar ou compensar a sociedade” pela lesão causada. Segundo a nota, não existe qualquer restrição aos valores ou destinação, “sendo incabível qualquer pretensa obrigatoriedade de reversão para fundo ou programa determinado”, sob pena de ferir-se o próprio direito de ação, e violação ao devido processo legal.

A nota ainda cita que o Conselho Nacional do Ministério Público na Resolução nº 179, de 2017, admite a destinação desses recursos à reparação de danos da mesma natureza, o que a jurisprudência dos tribunais superiores já permite há décadas. Além disso, afirma que o Programa de Habilitação e Reabilitação Física e Profissional, Prevenção e Redução de Acidentes de Trabalho é limitado ao meio ambiente do trabalho e exclui situações como o trabalho escravo e infantil, fraudes nas relações de trabalho, liberdade sindical, dentre outros exemplos.

A advogada Juliana Bracks, do Bracks Advogados, critica o que ela chama de falta de liberdade do MPT para definir o uso financeiro de multas e indenizações. “Hoje, procuradores sérios fazem trabalhos muito bons para ajudar a região afetada e o dinheiro não fica perdido em um fundo da União”, afirma.

Já a professora da PUC-SP, Carla Romar, do Romar, Massoni & Lobo Advogados, pondera que há a necessidade de reabilitar esses trabalhadores. “Esse programa deveria ter sido feito há tempos. Se houver a gestão desses valores, acho que pode ser válido”, diz.