O Estado de São Paulo, n. 46813, 18/12/2021. Política p.A9

 

Congresso impõe fundo eleitoral de R$ 5,7 bi, a maior cifra da história

 

Daniel Weterman

Iander Porcella

Izael Pereira

 

No ano eleitoral de 2022, os partidos terão o maior volume de dinheiro público da história para financiar campanhas políticas. Em uma época marcada por discussões sobre falta de recursos para pagar auxílio aos mais pobres, parlamentares decidiram ontem abrir caminho para uma despesa de R$ 5,7 bilhões. A quantia pode ser usada para pagar, por exemplo, viagens de candidatos, contratação de cabos eleitorais e publicidade nas redes. Soma-se a esse valor R$ 1,1 bilhão de outro fundo público, que banca estruturas partidárias, mas também abastece candidaturas.

Para chegar a essa cifra o Congresso derrubou o veto do presidente Jair Bolsonaro ao aumento do fundo eleitoral, inicialmente previsto em R$ 2,1 bilhões. Com isso, as legendas terão quase o triplo dos recursos a elas destinados nas últimas eleições, no ano passado, quando foram reservados R$ 2 bilhões para o mesmo fim. Em 2018, na primeira vez em que as campanhas foram irrigadas com o fundo público, o valor foi de R$ 1,8 bilhão.

Embora Bolsonaro tenha barrado o dispositivo que permite aumentar o fundo eleitoral, o governo lavou as mãos e liberou aliados para derrubar o veto. A liderança do governo deixou de orientar a votação, permitindo que os parlamentares se posicionassem como quisessem. Resultado: a Câmara rejeitou o veto do presidente pelo placar de 317 a 146. O Senado confirmou logo depois a decisão da Câmara, por 53 a 21.

 

BANCADAS. No PL, novo partido de Bolsonaro, apenas dois dos 40 deputados presentes foram contra aumentar o fundo eleitoral para 2022: Paulo Freire Costa (SP) e Policial Katia Sastre (SP). No Senado, Flávio Bolsonaro (RJ) e Jorginho Melo (SC) votaram para manter o veto presidencial.

Outras siglas que lançaram pré-candidatos ao Planalto também foram a favor do fundo eleitoral turbinado. No PT do ex-presidente Luiz Inácio da Silva, principal adversário de Bolsonaro, 49 dos 51 deputados votaram para derrubar o veto. O MDB, que lançou a senadora Simone Tebet (MS), deu 29 votos a favor do aumento no fundo eleitoral. Já no PSDB do governador João Doria a maioria dos deputados votou contra, embora o líder da bancada tenha orientado a favor de mais recursos para campanhas.

O Podemos, partido do exministro Sérgio Moro, foi um dos seis contrários ao “fundão” der$ 5,7bilhões na Câmara. PSOL, Novo, Cidadania, Rede e PSL também se opuseram. No Senado, o PSL orientou a favor. “Eu não disputarei as eleições em 2022. Estou fazendo isso não por mim, mas pelos outros”, disse a líder da legenda da Casa, Soraya Thronicke (MS).

O próximo passo dos parlamentares será incluir o valor final do “fundão” no Orçamento de 2022, que tem votação prevista para a semana que vem. Para compensar o aumento cobiçado, parlamentares pretendem tirar recursos do orçamento da própria Justiça Eleitoral, como mostrou o Estadão. Caso não consigam, uma alternativa pode ser a redução de recursos das emendas de bancada.

 

VERBA. O fundo eleitoral foi criado em 2017, após o Supremo Tribunal Federal (STF) proibir o financiamento empresarial das campanhas. Na época, a avaliação dos ministros da Corte foi de que o modelo causava distorções no processo eleitoral e permitia que empresas usassem as doações para mascarar o pagamento de propina a políticos. Com isso, o Congresso decidiu abastecer os partidos com recursos públicos.

Cabe aos dirigentes das siglas definir a distribuição do dinheiro entre os candidatos. Levantamento do cientista político Bruno Carazza mostrou que, em 2018, essa partilha privilegiou presidentes de partidos e alguns deles eram deputados que buscavam a reeleição. Foi o caso de Luciano Bivar (PSL-PE), que ficou com quase 30% do total reservado aos candidatos da legenda. Ontem, o “dono” do PSL votou para aumentar o “fundão”.

Bivar vai comandar em 2022 o União Brasil, formado a partir da fusão do seu PSL com o DEM. Pelas regras atuais, o novo partido terá R$ 891 milhões disponíveis para distribuir entre seus candidatos. O PT, com R$ 567 milhões, e o MDB, com R$ 426 milhões, aparecem na sequência.

“Aumentar o fundo eleitoral para R$ 5,7 bilhões é uma decisão errada. Não é apropriado, especialmente neste momento, em que tantos brasileiros passam por enormes dificuldades. Também não se justifica mais essa agressão ao teto de gastos”, disse Moro no Twitter.

 

‘CACIQUE’. A deputada Adriana Ventura (Novo-SP) criticou a decisão e disse que esse modelo de financiamentonão traz renovação política. “Isso só beneficia o cacique que vai receber”, afirmou. O Novo não utilizou recursos públicos em 2018 para financiar campanhas e anunciou ontem que irá ao STF na tentativa de reverter a decisão do Congresso.

Para o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PLAM), a opção pelo aumento do fundo eleitoral representa “a volta das doações de empresas”. O deputado é do mesmo partido de Bolsonaro, mas já anunciou que deixará a legenda por discordar do presidente. 

 

Placares

Câmara rejeitou o veto do presidente por 317 votos a 146. Senado confirmou a decisão, por 53 a 21

 

Caixa

Recursos públicos financiam campanhas

• 2018

Fundo Partidário: R$ 888,8 milhões

Fundo eleitoral: R$ 1,7 bilhão

 

• 2019

Fundo Partidário: R$ 927,8 milhões

 

• 2020

Fundo Partidário: R$ 959 milhões

Fundo eleitoral: R$ 2 bilhões

 

• 2021

Fundo Partidário: R$ 979,4 milhões

 

• 2022 (projeção)

Fundo Partidário: R$ 1,1 bilhão

Fundo eleitoral: R$ 5,7 bilhões