Título: Queda-de-braço movimenta o calçadão
Autor: Carolina Benevides e Florença Mazza
Fonte: Jornal do Brasil, 25/09/2005, Rio, p. A23

Faz 16 anos que Maria de Fátima Gomes, 45, conseguiu ter seu próprio quiosque na orla de São Conrado. Seus sanduíches, a porção de peixe frito e a cerveja gelada conquistaram muita gente, tanto que ela até entrega as iguarias em casa e vende fiado. - É uma prática comum. Quem salta de asa-delta e costuma freqüentar a praia abre conta e paga no fim do mês. Estou há tanto tempo na orla que vi muita gente crescer. Acho que essa relação acaba com a chegada dos novos quiosques - conta Maria de Fátima, que ganha R$ 3 mil por mês no verão.

A Orla Rio, que tem a concessão dos 309 quiosques por 20 anos, oferece quatro propostas para quem ocupa hoje a praia.

- Os quiosqueiros podem vender o ponto, se associar a uma marca, montar seu próprio restaurante ou arrendar o quiosque. Se optar por isso, ele receberá R$ 50 mil no ato do negócio e entre R$ 2 mil e R$ 2.500 mil mensais. O valor é dobrado nos quatro meses de alta temporada - explica João Marcello Barreto, vice-presidente da Orla Rio.

Segundo alguns quiosqueiros, essas opções foram acordadas com a Coopquiosque, cooperativa que os representa há seis anos, sem que eles soubessem. Rosana Reigota, uma das diretoras da Coopquiosque, contesta:

- O contrato foi divulgado para os quiosqueiros em janeiro deste ano. Estavam na reunião representantes da cooperativa, da prefeitura e da Orla Rio - diz Rosana.

Insatisfeitos, há 17 semanas os quiosqueiros que não querem mais ser representados pela Coopquiosque se reúnem para discutir a questão. Eles fundaram a organização Orla Legal, que os representa na Justiça.

- Eles consideram lesivo o contrato assinado entre a Orla Rio e a cooperativa. Todos são favoráveis à modernização, desde que não sejam submetidos a cláusulas tão exigentes - diz Paulo Ramos (PDT), deputado estadual e presidente da Comissão de Assuntos Municipais.

Advogado da Orla Legal, Julio César Ribeiro diz que a Coopquiosque foi procurada pela Orla Rio para facilitar o contato da concessionária com os quiosqueiros.

- A Orla Rio assinou um contrato com a prefeitura e ganhou a concessão. A licença dos quiosqueiros expirou em 2003 e eles passaram a ter somente a posse de seus quiosques. Para negociar com eles, a Orla Rio firmou um acordo comercial com a cooperativa. O problema é que isso foi feito às escuras e o contrato acaba sendo uma sentença de morte para o quiosqueiro, que se sentiu traído - conta Julio César.

O primeiro passo da Orla Legal foi ajuizar na 6ª Vara Cível (Barra) uma ação para cancelar o contrato entre a cooperativa e a Orla Rio.

- Em seguida, descobrimos algumas irregularidades e entramos com outras ações - diz Julio Cesar.

De acordo com o advogado, o projeto da Orla Rio não prevê estudo de impacto ambiental, há ausência de um convênio entre a União e a prefeitura, já que os quiosques vão ocupar a areia, e obriga que exista exclusividade de marcas.

- Na primeira quinzena de setembro, a Orla Legal entrou com uma ação no Ministério Público (MP) estadual para cancelar os contratos de exclusividade. Também descobrimos que a Tecnobeach, empresa criada para intermediar a relação entre a Coopquiosque e a Orla Rio, é dos mesmos diretores da cooperativa - conta Julio.

Segundo Rosana, tudo foi feito dentro da lei.

- O tempo vai provar que a Tecnobeach foi criada para ser um dispositivo a favor dos quiosqueiros - diz Rosana, que tem um quiosque na Barra e ainda não decidiu o rumo que vai tomar.

Julio César rebate a afirmação feita por Rosana:

- Os cinco diretores da cooperativa vão receber R$ 2.500 por mês da Orla Rio durante 20 anos. Isso prova que eles foram comprados e que não podem defender os quiosqueiros porque são funcionários da Orla Rio. Por isso, entramos com uma notícia-crime contra os cinco. Eles são acusados de quatro crimes: formação de quadrilha, gestão fraudulenta, documentos falsos e estelionato - diz Julio.