Título: Da suspeita à reportagem
Autor: Hugo Marques, Paulo de Tarso Lyra e Sérgio Pardell
Fonte: Jornal do Brasil, 25/09/2005, País, p. A4

A denúncia de que o governo pagaria uma mesada aos parlamentares aliados chegou à sucursal do JB em Brasília na terça, 21 de setembro. A informação partiu de um presidente de partido da bancada governista. ¿Corra atrás de um tal de mensalão que estaria sendo pago no Congresso. Corra que aí tem notícia¿, disse a fonte. Começou aí a corrida para transformar a pauta em uma reportagem. A equipe foi mobilizada. Telefonemas começaram a ser disparados e nada. Nem a oposição reconhecia a história. As conversas de corredor também não avançavam. A pauta estava a um passo de ser considerada um mero delírio.

Na quinta, dia 23, a reportagem do JB decidiu ligar outra vez para sua fonte original, que afirmou não ter nada mais a acrescentar. Mas um assessor partidário deu a senha.

¿ O Miro sabe.

Aparecia pela primeira vez na história o nome do deputado fluminense, que na época estava no PPS, antes de transferir-se para o PT. Em uma ligação telefônica, ele confirmou que havia sido procurado por parlamentares, denunciando o esquema de mensalão. Mas que não havia feito a denúncia pública, em plenário, porque nenhum deles topava confirmar a história. Conta que propôs que fossem ao presidente Lula. Eles recuaram e o deixaram sem opção.

A matéria começou a se consolidar a partir da descoberta de que um procurador da República também sabia do fato, também relatado por Miro, assim como ocorrera com o assessor parlamentar consultado pelo JB.

¿ O Miro falou comigo. Disse que deixaria a liderança do governo por não concordar em ¿fazer política assim¿.

A premissa era de que o suposto mensalão beneficiava parlamentares do PP, PL e parte do PMDB. Um integrante do PP confirmou que havia corrupção nas relações entre seu partido e o governo.

¿ Claro que tem, o caixa é um deputado do Paraná (José Janene, citado pelo deputado e não incluído no texto, por falta de provas mais contundentes) ¿ confirmou.

A denúncia não era boato. A redação do Rio comprou a idéia e decidiu publicar a reportagem. Momentos tensos. Optou-se por ligar novamente para Miro. Para maior segurança, a entrevista foi gravada.

Miro deu novos caminhos, sugestões de investigação. Mas ressaltou temer que a publicação prematura da matéria pudesse atrapalhar o rumo das investigações. Passava das 20h quando a decisão foi tomada: o JB daria a matéria. Era uma história amarrada, apesar de ainda faltarem as provas. Mas temia-se que outros veículos tivessem os mesmos dados.

¿Planalto paga mesada a deputado¿, estampava a histórica edição do JB. Miro distribuiu uma nota em que não desmentia a matéria. Desmentia ter sido fonte da informação. De fato, não foi a fonte original, o que o jornal reconheceu.

O então presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), abriu e fechou em duas horas uma sindicância, alegando que não havia denunciante.

Dias depois, fomos alvo de diversas tentativas de constrangimento. Uma delas merece registro. João Paulo, em pleno Salão Verde, diante de todos os repórteres de jornais, rádio e TV, colocou o dedo no rosto de um repórter do JB, querendo demonstrar indignação, avisando que o jornal e os três repórteres signatários da matéria seriam processados por calúnia, além da publicação de um direito de resposta, o que ocorreu em 30 de outubro.

Três dias depois da publicação, uma fonte do governo procurou a redação e disse que o JB estava no rumo certo, mas que o caixa não era Waldomiro Diniz e sim, Delúbio Soares.

¿ Deus do céu, descobriram tudo. É hora de pedir uma CPI ¿ disse um influente petista.

Os petistas inconformados com o Planalto preferiram, contudo, esperar novos fatos para solidificar as investigações. Mas com todas as portas fechadas, os dados não surgiam. Naquela ocasião, o governo estava blindado, surfava na onda das boas notícias.

A comprovação de que o JB estava correto veio no dia 6 de junho, por meio do deputado Roberto Jefferson em entrevista à Folha de S. Paulo. ¿PT dava mesada de R$ 30 mil a parlamentares, diz Jefferson¿, estampou o diário paulista em sua manchete.

Hugo Marques, Paulo de Tarso Lyra e Sérgio Pardelas são os repórteres responsáveis pela publicação da matéria que denúnciou há um ano a existência do mensalão.