Valor Econômico, v. 20, n. 4883, 20/11/2019. Opinião, p. A11

Empregos verde-amarelos

João Saboia


Preocupado com o alto número de desempregados e a lenta recuperação do mercado de trabalho o governo lançou o Programa Verde-Amarelo voltado para os jovens de 18 a 29 anos. Esse grupo foi o mais atingido pela crise econômica iniciada há cinco anos. Atualmente, mais da metade dos desempregados (pessoas que procuram emprego) e dos desalentados (pessoas que desistiram de procurar) está nessa faixa etária. Portanto, o foco no emprego dos mais jovens parece correto.

São várias as medidas incluídas no Programa, mas seu ponto central é o incentivo à criação do primeiro emprego para os jovens adultos na faixa de remuneração até 1,5 salário mínimo. Ou seja, os beneficiários seriam aqueles que estão desempregados ou desalentados em busca de um emprego formal. Tendo em vista o valor máximo da remuneração desses empregos eles estão claramente dirigidos para o pessoal jovem de baixa qualificação.

Para que as empresas se interessem em contratar tais trabalhadores é oferecida uma série de desonerações (INSS, FGTS etc.) que representariam, por um lado, uma redução de cerca de um terço dos encargos trabalhistas para as empresas e, por outro, menores benefícios para aqueles que ingressarem nesse novo sistema.

Do ponto de vista das empresas será uma tentação contratar novos trabalhadores utilizando as vantagens do Programa. Ou seja, poderia haver simplesmente a troca da contratação de um trabalhador mais velho por outro mais novo. Ou ainda, contratações que iriam ocorrer independentemente de desonerações passariam a ser feitas aproveitando a redução dos encargos. Nesses dois casos, não haveria uma efetiva criação de novos empregos.

Do ponto de vista daqueles que venham obter um emprego verde-amarelo, sem dúvida, a possibilidade de deixarem de estar desempregados representa um ponto positivo. Há, entretanto, várias desvantagens relativamente aos demais, como a duração do contrato de trabalho limitada a 24 meses, a eliminação da multa de rescisão contratual e a redução dos depósitos do FGTS.

A criação do emprego verde-amarelo foi uma promessa de campanha do presidente Bolsonaro e a diminuição de encargos trabalhistas tem sido sistematicamente defendida pelo ministro Paulo Guedes acreditando, com isso, incentivar a geração de novos empregos. Assim, o Programa poderia ser interpretado como um balão de ensaio para novas desonerações nas futuras regras gerais de contratação pelas empresas.

Em princípio, como afirmou o economista Ricardo Paes de Barros ao Valor (13/11/2019), “quando você reduz o preço, aumenta a demanda”. Essa é uma regra básica da economia. Portanto, seria de se esperar que a redução do custo do trabalho fosse acompanhada por um aumento no número de contratações.

Mas a experiência brasileira com desonerações da folha de pagamento para gerar empregos tem sido frustrante. O caso mais recente na memória do país ocorreu no primeiro governo Dilma - substituição dos 20% da contribuição patronal do INSS por uma alíquota de 1% a 2% sobre o faturamento das empresas - com resultados decepcionantes conforme estudo do Ipea (TD 2357, janeiro/2018).

Em outras palavras, a contratação de trabalhadores não é determinada apenas por seu custo, mas principalmente pelo estado das expectativas sobre a economia e sua evolução no futuro. Quando as expectativas melhorarem as contratações inevitavelmente serão retomadas com ou sem desonerações da folha.

Como a proposta de desoneração precisa vir acompanhada pela indicação das novas fontes a serem utilizadas para cobrir a perda de receita, o governo teve que apresentar sua proposta de fonte alternativa de receita. E aí foi de uma extrema infelicidade.

Propôs a taxação previdenciária do seguro-desemprego para cobrir a desoneração das empresas. Ou seja, os desempregados que recebem o seguro-desemprego estariam pagando pelas desonerações patronais. Seria uma espécie de redistribuição de renda às avessas. Além disso, enquanto as regras para os novos empregos do Programa terminariam em 2022, o desconto do seguro-desemprego seria permanente.

Cabe lembrar que o valor máximo do seguro-desemprego é relativamente baixo. Em geral, inferior ao salário recebido no antigo emprego, não passando de R$ 1.735, ou seja, é um período difícil para quem o recebe. Fica difícil acreditar, mas é essa a proposta feita pelo governo. Só resta torcer para que o Congresso bloqueie esse item da MP 905/2019 do Programa Verde-Amarelo e que o governo encontre outra fonte se quiser insistir no Programa.

Tendo em vista nosso histórico de desonerações voltadas à geração de empregos há sérias dúvidas sobre o resultado final do Programa. A meta de 1,8 milhão de empregos em três anos é excessivamente otimista. O país tem gerado cerca de 550 mil empregos formais anualmente, enquanto na proposta do Programa seriam 600 mil novos empregos por ano apenas para pessoas na faixa 18/29 anos que se encaixarem nas regras dos novos empregos verde-amarelos. Sem dúvida trata-se de um grande exagero, praticamente impossível de ser atingido.

A difícil situação econômica em que o país se encontra nos últimos cinco anos e as dificuldades enfrentadas atualmente pelo mercado de trabalho tendem a apagar lembranças mais favoráveis do passado recente. Não é preciso ir muito longe. Na década de 2004 a 2013, a economia teve um comportamento relativamente favorável (exceto em 2009). Nesses dez anos o PIB cresceu em média 4% ao ano. Nesse mesmo período, segundo a RAIS, o volume de empregos formais passou de 29,5 para 48,9 milhões, representando quase 2 milhões de empregos adicionais por ano!

Finalizando, o país não está condenado a continuar passando pelas atuais dificuldades. Mais cedo ou mais tarde a economia voltará a crescer, provavelmente a taxas moderadas comparativamente às do passado, e o mercado de trabalho reagirá. Enquanto isso não ocorre, medidas de curto prazo de incentivo à geração de empregos são válidas.

Mas isso não deve ser feito às custas do elo mais fraco nas relações de trabalho. Muito menos apresentando números irrealistas.

João Saboia é professor emérito do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: saboia@ie.ufrj.br