Valor Econômico, v. 20, n. 4883, 20/11/2019. Empresas, p. B1

Pivô de conflito EUA-China, 5G vai para a antessala de Bolsonaro

Matheus Schuch
Fabio Murakawa
Daniel Rittner 


O leilão de frequências para a telefonia 5G, que coloca o Brasil no meio do embate global entre Estados Unidos e China, está saindo dos gabinetes técnicos da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e do Ministério das Comunicações para a antessala do presidente Jair Bolsonaro.

Ontem à tarde, em reunião conduzida pelo próprio Bolsonaro, o leilão entrou na carteira do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). Com isso, cada passo da bilionária licitação passará a ser monitorado diretamente pelo círculo presidencial.

O PPI está sob a tutela do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e é coordenado pela economista Martha Seillier, secretária especial do programa e uma das técnicas com maior prestígio na Esplanada dos Ministérios.

Por um lado, a inclusão do 5G na carteira do programa significa um ganho de visibilidade para o leilão, inicialmente previsto para março de 2020 e já adiado para o segundo semestre. O PPI promove contatos com o mercado e permite colocar a licitação nos “road shows” organizados com investidores no exterior.

Por outro, coloca sob o acompanhamento direto do Palácio do Planalto questões como o valor de outorga, investimentos exigidos, data do leilão e regras de participação. E, sobretudo, aproxima o presidente de uma tomada de decisão sensível do ponto de vista geopolítico: permitir ou não que os chineses sejam fornecedores dessa nova tecnologia no Brasil.

Os Estados Unidos têm feito pressão para que seus aliados proíbam empresas da China entre os fornecedores. Países como Austrália, Nova Zelândia e Japão estão entre aqueles que já anunciaram ou estudam algum tipo de restrição. Em agosto, o secretário americano de Comércio, Wilbur Ross, disse publicamente, após encontro com autoridades brasileiras, que havia compartilhado “informações reservadas” sobre os riscos de espionagem eletrônica de Pequim nas redes de 5G e a vulnerabilidade decorrente disso para os países.

Na segunda-feira, Bolsonaro recebeu em seu gabinete o presidente da Huawei no Brasil, Wei Yao. O encontro, segundo pessoas que tiveram acesso, teve caráter diplomático e político. Não houve discussões concretas sobre nenhum assunto. A audiência foi descrita por um auxiliar presidencial como tentativa do executivo chinês de se mostrar confiável e criar um ambiente político favorável à companhia.

O brasileiro, depois de declarações pouco amistosas direcionadas à China e aos investimentos do gigante asiático no Brasil, mudou de tom. Na semana passada, foi anfitrião dos Brics e deu tratamento vip ao presidente Xi Jinping no Planalto. Na reunião dos dois líderes, Bolsonaro afirmou que a China fará “cada vez mais parte do futuro” do Brasil.

A secretária Martha Seillier procurou desmistificar o peso geopolítico em torno do leilão e sua inclusão no PPI. Ela lembrou que, ao contrário das licitações em áreas como energia elétrica ou petróleo e gás, os certames organizados pela Anatel não entravam no portfólio - o que não muita explicação. “O papel de sentar com o mercado, tirar dúvidas e entender as preocupações é muito importante”, disse.

“A gente pode superar disputas eventualmente diplomáticas estruturando uma bela concorrência. Ou seja, se para um determinado país é muito estratégico que uma empresa não esteja ali, que ela venha agressiva para essa concorrência. Vai ser bom para todo mundo”, completou a secretária.

Outra fonte do governo, envolvida nas discussões sobre 5G, disse reservadamente que ainda não é o momento de decidir sobre a adoção ou não de tecnologia da Huawei. Pelo contrário, seria o último item de uma agenda extensa: avaliar desafios de segurança cibernética; certificação de equipamentos; estudar respostas a acidentes de segurança; definir procedimentos e normas para a infraestrutura crítica; definir o licenciamento de aplicativos.

De acordo com esse funcionário do governo, que pediu para não ser citado, o Planalto tem consciência de que o tema da Huawei envolve questões técnicas e políticas, mas reforça a necessidade de deixar isso para a hora certa. “Talvez não seja do nosso interesse dar essa resposta agora.”