Valor Econômico, v. 20, n. 4884, 21/11/2019. Opinião, p. A18

Desmatamento acelerado põe por terra álibis do governo



O governo agrediu os fatos e os mensageiros das más notícias sobre aumento acelerado do desmatamento na Amazônia. O presidente Jair Bolsonaro exonerou o diretor do Inpe, Ricardo Galvão, que divulgou assustadores números preliminares, e insinuou que ele estava a serviço de ONGs do mal. Foi à tribuna da Organização das Nações Unidas (ONU) afirmar que a região “não está sendo devastada nem consumida pelo fogo, como diz mentirosamente a mídia”. Na segunda-feira, divulgou a maior taxa de desmatamento da década no período de 1 de agosto de 2018 a 31 de julho de 2019 - 9,76 mil km2, um avanço de 29,5% - e, candidamente, como se nada tivesse dito antes, prometeu vagas providências.

As condições em que o desflorestamento ocorrem agora são diferentes das do passado. A destruição se acelerou onde antes estava até certo ponto contida, como em Roraima, com avanço de 216,4%, com 617 km2 de florestas no chão, e no Acre, com aumento de 55% (688 km2), a maior área desde 2004. A gravidade do fato foi apontada pelo diretor do Inpe, Darcton Damião: “Há uma nova fronteira de desmatamento que merece atenção”. E a “velha fronteira” prosseguiu na rotina da devastação. Pará, Mato Grosso, Amazonas e Rondônia viram sumir 8.213 km2 de áreas florestais. O Pará continua à frente, com 39,5% da área total.

O futuro imediato é tenebroso para a Amazônia. Houve, pelos alertas do Deter, aumento significativo do desmatamento em agosto, setembro e outubro - estimativa de 3.704 km2 o que indica que muito provavelmente os números de 2019-2020 também serão ruins. A meta de redução do desflorestamento à qual o Brasil se comprometeu, de 3.800 km2 em 2020 não será cumprida, enquanto que a agenda anti-ambientalista do governo Bolsonaro dificilmente encaminhará outros objetivos, como reflorestar 12 milhões de hectares e recuperar 15 milhões de hectares de pastagens degradadas. Há um retrocesso em toda a linha.

Combater o desmatamento é muito difícil, mas houve êxitos temporários importantes. Eles indicam que é preciso agir com sabedoria, planejamento e persistência. O governo de Fernando Henrique, no ápice da devastação em 1995, respondeu com o aumento da exigência da reserva legal de 50% para 80% na Amazônia. Em contraposição, o senador Flavio Bolsonaro, filho do presidente, propôs o fim de qualquer reserva legal, uma alforria para motosserras.

Em 2004, foi a vez do governo Lula agir. Marina Silva, do Meio Ambiente, criou o Deter e executou um plano de prevenção e controle, complementado por aumento das sanções legais e disciplinamento do crédito bancário para a região, acoplado ao cumprimento das normas ambientais. Entre 2004 e 2011, o desmatamento caiu 77%. Bolsonaro herdou a deterioração dos números desde 2012, com o descaso da presidente Dilma Rousseff pelo ambiente e as tentativas frustradas do presidente Michel Temer de reduzir a área protegida da Reserva Nacional de Jamanxim.

Bolsonaro teve 7 meses de mandato dos 12 cobertos pelos números divulgados pelo Inpe. Mas houve mudança qualitativa importante. O governo e o ministério da área empenharam-se em destruir a credibilidade do Ibama e do ICMBio, abriram fogo contra a “indústria das multas” e o ministro Ricardo Salles correu para criar instância, sobre seu poder, para revisar punições ambientais - como se as supostas vítimas estivessem pagando as sanções. Bolsonaro e Salles cercearam as ações contra o desmatamento feitas pelo Ibama. O presidente proibiu os fiscais de destruírem material dos exploradores ilegais da floresta e, garimpeiros, mostrou seu desejo de ter mil Serras Peladas por aí.

A tarefa de destruição estendeu-se aos recursos do Fundo Amazônia, dinheiro da Noruega e Alemanha gerido pelo BNDES, sobre o qual Salles investiu para mostrar malfeitos inexistentes de ONGs. Conseguiu acabar com uma rara fonte de recursos externos contra a destruição da Amazônia.

Ontem, o presidente repetiu a incrível história de que o desmatamento acontece por uma “questão cultural”, uma espécie de vocação atávica dos nativos pela piromania. Disse que uma forma de atacar o problema é a titulação das terras, para identificar responsáveis pelo fogo. Anunciou uma MP para isso, na qual figurará a “autodeclaração” de posse. Sem houve falsificação em massa de documentos, chantagem e assassinatos para obtê-los por grileiros. Pelo visto, nem isso será mais necessário. Não há mais política ambiental.