Valor Econômico, v. 20, n. 4884, 21/11/2019. Especial, p. A20

Decisão do STF pode afetar transações no exterior
Assis Moreira 


Companhias brasileiras poderão ter rapidamente dificuldades nas transações bancárias internacionais. Além disso, o país poderá ter mais obstáculos para negociar sua entrada na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Isso depende do que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir sobre o compartilhamento de informações sigilosas, conforme diferentes fontes.

O plenário do STF deve decidir hoje se órgãos de fiscalização como a Receita Federal e a Unidade de Inteligência Financeira (UIF), antigo Coaf, podem enviar informações diretamente ao Ministério Público ou se é imprescindível a autorização judicial prévia.

Em julho, o presidente do tribunal, Dias Toffoli, decidiu suspender todos os inquéritos que tivessem sido abertos com base em informações compartilhadas pela Receita Federal ou pela Unidade de Inteligência Financeira (UIF), antigo Coaf, sem autorização do Judiciário.

O presidente do Grupo de Trabalho Anti-Corrupção da OCDE, Drago Kos, disse ao Valor que observou a Toffoli, na semana passada em Brasília, que a manutenção do congelamento atual poderia causar problemas para o Brasil no combate à corrupção e à lavagem de dinheiro de maneira eficaz. “Não sei o que vai ser decidido, mas será de extrema importância”, disse ele.

Se for mantida a decisão de Toffoli, Kos considera que o desvio da posição brasileira em relação ao padrão internacional será tão grande que o Grupo de Trabalho Anti-Suborno terá de propor medidas em relação ao que se passa no país. Outras fontes dizem que o Brasil continuará sob intenso escrutínio na OCDE também se a decisão do STF for de uma delimitação do compartilhamento dos dados financeiros. A questão é até que ponto chegaria essa delimitação.

Até agora, o Grupo de Trabalho da OCDE não tem experiência de impor medidas contra um país porque, segundo Kos, a tendência tem sido de os países se enquadrarem nos padrões globais e não o contrário.

Mas uma opção, numa situação como essa, é que os outros 43 países membros aumentem a “due diligence” de suas firmas nos negócios com companhias brasileiras, já que o combate à corrupção e à lavagem de dinheiro estaria enfraquecida no país.

Por uma questão de percepção e não realmente legal, os bancos internacionais poderão aumentar a vigilância nas operações com o Brasil, diz outra fonte. E se em seguida o Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFI/FATF), organização intergovernamental cujo propósito é desenvolver e promover políticas nacionais e internacionais de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo, considerar que o Brasil tomou outro rumo, pode levar as instituições financeiras a complicar ainda mais as operações com o país.

O impacto sobre o processo de inclusão do Brasil na OCDE também está em jogo, pois o Grupo de Trabalho Anti-Suborno é um dos elementos chaves nesse processo.

O secretariado do grupo espera poder apresentar um relatório sobre recente visita ao Brasil, incluindo também a decisão que o STF vai tomar, para exame dos países no dia 10 de dezembro em Paris. Se não houver tempo de completar o relatório, esse exame ficará para março de 2020.

Na semana passada, depois de missão no Brasil, o Grupo de Trabalho Anti-Suborno da OCDE conclamou o país a “cessar imediatamente as ameaças à independência e à capacidade das autoridades públicas para combater a corrupção”. Em comunicado na ocasião, o grupo pediu para o Brasil, uma das partes fundadoras da Convenção da OCDE sobre o

Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, desde 1997, a preservar a plena capacidade e a independência das autoridades públicas para investigar e processar casos de corrupção de funcionários públicos estrangeiros.

Para o Grupo de Trabalho da OCDE, “há agora preocupações de que o Brasil, devido às recentes ações tomadas pelos Poderes Legislativo e Judiciário, corra o risco de retroceder nos progressos feitos, o que pode comprometer seriamente a capacidade do Brasil de cumprir suas obrigações nos termos da Convenção. ”

A OCDE relata que o Grupo de Trabalho tem “continuamente alertado o Brasil, desde 2016, sobre os riscos colocados pelas tentativas de ampliar a definição sobre o que constituiria abuso de autoridade por parte de juízes e promotores”.

Um dos alvos é a lei sobre abuso de autoridade, “ caracterizada por conceitos vagos”, que entrará em vigor em janeiro de 2020. O sentimento no Grupo de Trabalho da OCDE é de que tudo o que o Brasil conseguiu alcançar nos últimos anos na luta contra a corrupção possa ficar seriamente comprometido.