Valor Econômico, v. 20, n. 4884, 21/11/2019. Empresas, p. B2

Silenciosamente, o marketing está sumindo

Claudio Garcia



Sempre sou precavido quando ouço especulações sobre o futuro de profissões, funções ou áreas das organizações. Minha experiência é que 99,9% dessas predições passam longe do que de fato acontece. Um bom exemplo são as especulações sobre a área de recursos humanos - há pelo menos 15 anos ouço que ela vai desaparecer, mas tem sido uma das áreas que tem ganhado maior visibilidade em um mundo cada vez mais digital. As mudanças, ao contrário, ocorrem do nosso lado, com sinais de baixa intensidade, aparentemente sem relevância, e quando nos damos conta, tudo está diferente.

Aparentemente é o que pode estar acontecendo com a área de marketing. Enquanto os profissionais do setor passaram os últimos anos discutindo marketing digital ou o futuro da profissão, muitas das tarefas de marketing foram e continuam sendo absorvidas por outras funções do negócio.

Quem me chamou atenção ao fato foi um recém ex-CEO de uma das mais conceituadas incubadoras de negócios nos EUA. Seu ponto de vista surgiu ao observar a evolução de milhares de empresas do ecossistema que liderava, entre startups e grandes corporações inovando seus modelos de negócios. À medida que essas evoluíam e se tornavam mais maduras, ele notava que ninguém tinha contratado ou sentia falta de profissionais de marketing.

As funções típicas da área já tinham sido absorvidas pelas áreas de tecnologia, vendas, operações, entre outras. Todas elas usando conceitos e práticas, antes restritas aos designers e criativos, orientadas por dados quase instantâneos, e voltadas à modelos de negócios que consideram a experiência dos clientes em todos os momentos de contato com a empresa. Segundo ele, todas as áreas dessas empresas estão convergindo à essa realidade, até a de logística - muitas vezes, a experiência do “delivery” está mais associada à percepção da marca do que a uma campanha publicitária que diz o quão legal a empresa é. Mesmo em negócios mais tradicionais, à medida que se reinventavam, ele notou o desaparecimento de funções de marketing.

Talvez, uma outra forma de interpretar o que foi relatado pelo ex-CEO é que o marketing não está desaparecendo, mas suas funções estão migrando para onde sempre deveriam estar: próximas aos clientes - a princípio, para construir experiências que tragam benefícios, mas que muitas vezes são utilizadas para manipulá-los (vide casos recentes de mídias sociais).

A ideia de que práticas de marketing deveriam estar distribuídas por toda a organização não é nova. José Carlos Teixeira Moreira, fundador da Escola de Marketing Industrial, há décadas ajuda organizações a transformarem suas mais diversas práticas empresariais buscando inspiração em seus clientes, já que esses são, no fim das contas, a razão da existência de seus negócios.

Mas essa ideia, apesar de fazer todo sentido, provavelmente está longe de ser predominante. Não podemos ignorar que o depoimento do executivo é baseado em sua experiência em um ambiente reconhecido como extremamente inovador.

Claro que a ideia de que empresas estão progredindo tendo o olhar do cliente no centro de suas práticas é louvável, mas não deveria justificar necessariamente o desaparecimento das posições de marketing. Outras funções, apesar de serem nitidamente distribuídas nas organizações, ainda possuem estruturas para orquestrar as iniciativas da função, garantir padrões mínimos de excelência e evitar a duplicação de esforços. Além disso, a perspectiva de longo prazo associada ao marketing deveria servir como contraponto à pressão de curto prazo de vendas para fechar cotas e de finanças para controlar custos. Mas, não ter profissionais da área pode denegrir a criação de valor no longo prazo e deveria ser um ponto de atenção.

É óbvio que as implicações são muitas para a carreira dos profissionais de marketing. A transformação relatada não se originou entre profissionais da área, mas entre empreendedores e profissionais de tecnologia, aprendendo com seus clientes e testando modelos mais próximos de suas realidades. A grande lição é que, tentar transformar o status quo dá trabalho, mas não garante necessariamente o futuro caso ele não esteja alinhado com quem os negócios deveriam servir - os clientes.