Título: IRA destrói arsenal sob ceticismo
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Fonte: Jornal do Brasil, 27/09/2005, Internacional, p. A8
Ao depor armas para cumprir o cessar-fogo histórico acordado com o governo britânico, o Exército Republicano Irlandês (IRA) expôs, pela primeira vez, o tamanho do poderio com o qual enfrentou três décadas de guerra. Abriu mão de mísseis terra-ar, lança-foguetes, metralhadoras pesadas e até explosivos militares procedentes da ex-Tchecoslováquia. Com exceção de três mísseis terra-ar SAM 7 soviéticos, nunca utilizados, todo o armamento havia sido empenhado em conflito, incluindo dois fuzis americanos Barrett de calibre 50 - usados por franco-atiradores devido ao longo alcance e potente munição - e também mil fuzis AK47 e AKM e grandes quantidades de pistolas. Observadores internacionais dizem ter acompanhado a cerimônia.
Entretanto, o chefe da Comissão de Desarme, o canadense John de Chastelain, afirmou que o inventário preciso, com as quantidades, não será divulgado até que outros grupos paramilitares irlandeses - inclusive a facção dissidente IRA Autêntico - tomem parte no processo de deposição de armas. Também não se sabe se o arsenal corresponde exatamente à posse da guerrilha, mas De Chastelain confia que sim.
- As armas neutralizadas correspondem às estimativas que nos haviam fornecido as forças de ordem britânicas e irlandesas - disse.
Ao anúncio oficial de ontem, seguiu-se um comunicado do IRA, assegurando que ''o processo de depor armas está completo''.
Mesmo assim, o movimento do grupo guerrilheiro é cercado de dúvidas. Ian Paisley, líder do Partido Democrático Unionista, que resistia a negociar com os aliados políticos do IRA, não está convencido. Segundo ele, é fato que a guerrilha depôs armas, mas o processo não foi transparente o suficiente para garantir que todo o arsenal foi destruído.
- Não dá para construir uma relação de confiança se há detalhes omitidos e mentiras - criticou Paisley, acusando ainda os governos britânicos e irlandeses de ''duplicidade e desonestidade'' ao aceitar as garantias do IRA.
Mas no sábado, o Exército Republicano Irlandês permitiu que duas testemunhas independentes - um ministro metodista e um padre católico ligado ao líder do Sinn Fein, o braço político do IRA, Gerry Adams - presenciassem o desarmamento secreto, conduzido por autoridades do Canadá, da Finlândia e dos Estados Unidos.
Contente com a aparente conquista de paz, após 35 anos de confronto entre católicos e protestantes, o premier britânico, Tony Blair, também saudou o IRA:
- A falha em se desarmar sempre foi um grande impedimento ao processo de pacificação. Hoje, está finalmente completo. Demos um grande passo na transição do conflito para a paz na Irlanda do Norte.
Mais cedo, De Chastelain havia entregado a representantes dos governos britânico e irlandês um relatório confidencial sobre seu trabalho. Afirmou que o desarme foi realmente completo no sábado e que ele próprio contou todas as armas entregues. Para o primeiro-ministro da Irlanda, Bertie Ahern, não há motivo para duvidar do ex-general canadense e seus colegas testemunhas.
- São homens íntegros. Suas palavras são claras e bem-vindas - assegurou.
Mitchel McLaughlin, importante autoridade do Sinn Fein, também acredita que o movimento do IRA vai promover ''a confiança e a generosidade em resposta aos nossos oponentes''.
Os britânicos estão particularmente interessados no desarme porque o ditador líbio Muammar Kadhafi enviou ao IRA mais de 130 toneladas de armas em meados dos anos 80. Este arsenal abre a possibilidade de Londres ser alvo de atentados por décadas, se os guerrilheiros quiserem. Como barganha, o gabinete do primeiro-ministro condiciona o desarmamento à possibilidade do Sinn Fein ganhar espaço nas negociações sobre o futuro da Irlanda do Norte. Quando Blair assumiu o governo, em 1997, autorizou o partido a negociar o cessar-fogo, mas não chegou à deposição do arsenal.