Valor Econômico, v. 20, n. 4885, 22/11/2019. Brasil, p. A8

Governo estuda transição no PIS/Cofins

Marta Watanabe



O governo federal estuda uma proposta de reforma tributária que estabeleça mecanismos de transição para unificar o PIS e a Cofins. A fusão resultaria numa nova contribuição no modelo de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Os mecanismos de transição possibilitariam homogeneizar os impactos que a unificação deve trazer para os diversos setores, já que, apesar da neutralidade tributária em termos de arrecadação agregada, alguns segmentos de atividade deverão passar a pagar mais no sistema proposto em relação ao que recolhem atualmente com o PIS e a Cofins. O novo tributo será também “perfeitamente compatível” com o IVA proposto pela PEC 45, que tramita na Câmara dos Deputados.

As informações são de Vanessa Canado, assessora especial do ministro da Economia, Paulo Guedes, e secretária-executiva do grupo de trabalho de aperfeiçoamento do sistema tributário da Receita Federal. Vanessa passou a integrar a equipe econômica juntamente com o novo secretário da Receita, José Barroso Tostes Neto.

Vanessa prefere não falar em aumento de tributos para segmentos, mas diz que a unificação do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) trará um “reequilíbrio” de carga entre os setores de atividade por razões que se justificam tecnicamente, considerando que a base de cálculo da nova contribuição será o valor adicionado. “O reequilíbrio tem justificativa, mas não somos insensíveis aos impactos. Por isso pensamos nessa eventual transição.” Vanessa diz que ainda não há detalhes sobre como essa transição se dará nem sobre sua duração.

O IVA federal deverá ter alíquota entre 11% a 12%. A princípio a ideia é ter alíquota única, mas os impactos nos diversos setores ainda estão sendo estudados, diz Vanessa. Os ajustes estão sendo analisados e o grupo de trabalho deve concluir os estudos até o fim do mês. Depois disso, outros órgãos do ministério devem analisar a proposta. O envio de um projeto de lei ou de uma MP sobre a unificação dependerá do “timing político” a ser estabelecido pelo governo.

O período de transição, apesar de ainda não definido, não precisará ser longo, diz a secretária-executiva. Ela explica que, no campo da tributação sobre consumo, os incentivos fiscais que afetam investimentos de longo prazo se concentram no IPI, também federal, e no ICMS, estadual. No caso do PIS e da Cofins, diz, os regimes especiais de recolhimento estão mais ligados à operacionalização do recolhimento dos dois tributos. Com o estabelecimento de um IVA federal, a simplificação e a não cumulatividade do tributo teoricamente resolvem as dificuldades existentes hoje com o PIS e a Cofins. Por isso, a ideia inicial é também eliminar os incentivos de PIS e Cofins.

O IVA em estudo pelo governo federal, segundo Vanessa, deverá ser perfeitamente compatível com o da PEC 45, proposta de reforma tributária apresentada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP), atualmente sob relatoria do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). A PEC baseou-se em projeto elaborado pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), da qual Vanessa era diretora até se licenciar para assumir o cargo atual na Receita. A PEC 45 propõe a substituição de PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS num único IVA.

A compatibilidade acontece por dois motivos, aponta Vanessa. O IVA federal estudado na Receita tem o mesmo modelo do IVA da PEC 45. Além disso, explica, as mudanças propostas pelo governo federal “irão melhorar o ambiente de negócios e resultar em um tributo melhor que o PIS e a Cofins. A proposta não atrapalha, e sim ajuda na transição da PEC 45."

O segundo passo na reforma tributária em estudo pelo governo será a mudança no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A ideia é que o IPI passe a ser seletivo “na essência”, com natureza muito parecida com a do imposto seletivo proposto pela PEC 45, segundo Vanessa.

Embora as bases de incidência ainda estejam em estudo pelo grupo de trabalho, o IPI seletivo deve ser cobrado sobre bens e serviços com externalidades negativas, como fumo e bebidas alcoólicas, diz ela. Estudos mais profundos estão sendo feitos olhando para a tendência mundial da tributação seletiva, que procura incentivar fontes limpas de energia por meio do “carbon tax” ou do “energy tax”.

Com a seletividade, a perda de arrecadação do IPI tende a ser representativa e, por isso, a Receita ainda estuda formas de viabilizar a mudança e manter a arrecadação agregada neutra, ao menos no curto prazo, afirma Vanessa. A perspectiva é de que o grupo de trabalho da Receita tenha um estudo do IPI mais definido no início de 2020. Mudanças na Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) devem ser estudadas conjuntamente, mas essa análise, diz ela, ainda será feita.

O passo seguinte, diz Vanessa, deve ser na tributação direta, com mudanças no Imposto de Renda (IR) tanto das pessoas jurídicas quanto da pessoa física.

“Estamos verificando todas as variáveis que importam para tornar o sistema do IR das pessoas físicas mais progressivo”, explica ela. Entre as variáveis, Vanessa cita medidas como “correção de tabela progressiva versus criação de uma nova alíquota versus aumento da faixa de isenção versus limitação na dedução de despesas. São variáveis que estamos tentando combinar de várias formas para ver como a progressividade pode melhorar”. Ela observa, porém, que nenhuma das medidas foi definida. A ideia é reduzir o imposto de renda das pessoas jurídicas e calibrar isso na pessoa física. A tributação de dividendos também é estudada nesse conjunto, diz Vanessa.

Paralelamente, explica a secretária-executiva, a Receita também estuda a simplificação da apuração da base de cálculo do IR das pessoas jurídicas, de forma mais independente das normas contábeis internacionais. Vanessa diz que esse é um cenário possível, mas que ainda não foi decidido se essa mudança será efetivada. Em caso positivo, poderia ser integrada às demais alterações do IR dentro da reforma.

Por último, a desoneração de folha também está sendo analisada, mas de forma embrionária. Segundo Vanessa, o que se estuda é começar a desoneração de forma tímida, para depois ser ampliada conforme sejam liberadas as formas de financiamento.