Valor Econômico, v. 20, n. 4885, 22/11/2019. Política, p. A12

Moraes vota por compartilhamento de dados sigilosos sem aval judicial

Luísa Martins
Isadora Peron


O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou ontem para que órgãos de controle possam compartilhar dados fiscais sigilosos com o Ministério Público (MP) sem necessidade de aval judicial prévio. Seu entendimento diverge parcialmente do proferido anteontem pelo presidente da Corte, ministro Dias Toffoli. A sessão foi suspensa e será retomada na quarta-feira.

No decorrer da próxima reunião, os ministros devem debater se o julgamento deve se limitar às informações da Receita Federal ou ser estendido à Unidade de Inteligência Financeira (UIF), antigo Coaf. Apesar de Toffoli e Moraes terem incluído os dois órgãos em seus votos, há uma tendência de que a maioria se manifeste pela restrição do escopo, já que o recurso em análise - sonegação fiscal por parte de um posto de gasolina em São Paulo - trata apenas da Receita.

Até a conclusão do julgamento, prevalece a liminar, concedida em julho por Toffoli, de suspender investigações que tenham sido abertas com base em dados compartilhados com o MP sem autorização do Judiciário - o que beneficia o senador Flávio Bolsonaro (ex-PSL), filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro e suspeito de desvios de salários de servidores na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Ontem, Moraes propôs a fixação da seguinte tese pelo Supremo: “É constitucional o compartilhamento, tanto pela UIF quanto pela Receita Federal, da íntegra de procedimentos fiscalizatórios com órgãos de persecução penal para fins criminais, que deverão manter os sigilos das informações”.

Há diferenças entre o voto do ministro e o de Toffoli. Anteontem, o presidente da Corte impôs restrições ao compartilhamento de dados, mas nesse sentido não foi acompanhado por Moraes.

Para Toffoli, o MP, ao receber uma representação fiscal da Receita, deve instaurar um procedimento investigatório criminal e imediatamente submetê-lo à supervisão do Poder Judiciário. Os relatórios, segundo ele, podem conter as descrições das movimentações suspeitas e até mesmo os fatos caracterizadores de eventual ilícito, mas não os documentos considerados “sensíveis”, como a íntegra de extratos bancários ou a declaração anual do Imposto de Renda - para esses casos, seria imprescindível a prévia autorização judicial, por tratar-se de quebra de sigilo.

Moraes, por outro lado, entende que a Receita pode compartilhar todos os dados com o MP, inclusive os “sensíveis”, sem necessidade de aval judicial.

“Ao mesmo tempo em que a inviolabilidade dos dados é protegida, não há dúvida de que esse direito fundamental não pode servir de escudo protetivo para a prática de atividades ilícitas. A finalidade das garantias individuais não é possibilitar uma redoma para que os criminosos possam atuar”, disse.

Já em relação ao antigo Coaf, Toffoli afirmou que o compartilhamento de dados está liberado mesmo sem o aval do Judiciário, desde que não seja sob encomenda. Ou seja, o MP não pode escolher quem investigar e requerer dados desses cidadãos, sem que eles sejam alvo de procedimentos criminais.

Já Moraes afirmou que o MP pode solicitar quaisquer informações suspeitas a órgãos de controle, mas não abordou em seu voto a questão dos requerimentos sob encomenda.

Se prevalecer o entendimento de Toffoli, a investigação contra Flávio pode ser suspensa. A defesa tem alegado que as movimentações suspeitas do parlamentar foram encomendadas pelo MP.

Ontem, Toffoli foi confrontado por ter ampliado o objeto do recurso e incluído a UIF no debate. A ministra Rosa Weber se disse “perplexa”, porque o recurso não “traz uma linha” sobre dados do antigo Coaf. Também se manifestaram nesse sentido os ministros Marco Aurélio Mello, Luiz Fux e Ricardo Lewandowski. O Valor apurou que a tese ainda pode ganhar a adesão de Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, já havia apontado esse problema à Corte, argumentando que o caso em análise só abrangia a Receita. Toffoli, porém, disse que cada ministro, na sua vez de votar, vai abordar o tema individualmente.