Valor Econômico, v. 20, n. 4805, 01/08/2019. Política, p. A10

Corte irá julgar interpelação de OAB a Bolsonaro

Mariana Muniz
Carla Araújo



O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, apresentou ontem ao Supremo Tribunal Federal (STF) um pedido de explicações para que o presidente da República, Jair Bolsonaro, preste informações sobre as declarações envolvendo o desaparecimento de seu pai, Fernando Santa Cruz, durante a ditadura militar.

O relator do caso, definido por sorteio, é o ministro Luís Roberto Barroso. A interpelação judicial - espécie de pedido preparatório de ação penal - foi apresentada ao Supremo diante da prerrogativa de foro de Bolsonaro - que fez as afirmações "no cargo e em razão do cargo". Mesmo sendo interpelado, o presidente não é obrigado a responder aos questionamentos feitos pela defesa de Santa Cruz.

O pedido é assinado por doze ex-presidentes da OAB constituídos como advogados de Santa Cruz. De acordo com a defesa, as declarações de Bolsonaro sugerem o conhecimento de fatos e situações excepcionais - e apontam que a manifestação, caso não seja verdadeira, pode constituir prática de crime de calúnia e injúria.

Por isso, pedem ao STF para que o presidente diga se efetivamente tem conhecimento das circunstâncias, dos locais, dos fatos e dos nomes das pessoas que causaram o desaparecimento e o assassinato de Fernando Santa Cruz. E, em caso afirmativo, esclareça a razão por não ter denunciado ou mandado apurar a conduta criminosa revelada. Nesta segunda-feira, ao reclamar sobre a atuação da OAB na investigação do caso Adélio Bispo, Bolsonaro disse que "se o presidente da OAB quiser saber como pai dele desapareceu no período militar, eu conto".

Na petição, os advogados afirmam que as declarações de Bolsonaro sobre o pai do presidente da OAB não são inéditas. Mas argumentam que, agora, a diferença é que na condição de presidente da República, ele confessa publicamente saber da forma e da circunstância em que foi cometido um grave crime.

"É inaceitável que o Requerido, por ocupar o mais alto cargo da República, cujas atribuições são indispensáveis ao Estado Democrático de Direito, não explique a razão da sua própria omissão quanto ao dever de tornar pública a autoria e as circunstâncias da prática de atos criminosos e atentatórios aos mais elementares direitos humanos", afirmam os advogados.

Em relação ao caso de Fernando Santa Cruz, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) concluiu em 2014 que ele "foi preso e morto por agentes do Estado brasileiro e permanece desaparecido, sem que os seus restos mortais tenham sido entregues à sua família".

Na semana passada, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), atualmente vinculada ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, apresentou declaração para fins de retificação do atestado de óbito de Santa Cruz, reconhecendo que sua morte decorreu de razão violenta e foi causada pelo Estado.

Ontem, Bolsonaro rebateu as críticas de que esteja quebrando decoro com declarações polêmicas e disse que quem o acusa disso "perde o argumento". "Muita coisa aconteceu, lamentamos muita coisa. Mas não pode valer um lado apenas da história", afirmou, na saída do Palácio da Alvorada. "E como eu sempre disse: alguém acredita que o PT está preocupado com a verdade? Está de brincadeira. Quando aqueles caras criaram a Comissão da Verdade eles deram gargalhadas. Vocês da imprensa sabem o que é informação, contrainformação e contra contrainformação", declarou.

A Comissão Nacional da Verdade foi instalada em 2012 por meio da Lei 12528/2011 com o intuito de investigar violações aos direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988.

Questionado se contestaria oficialmente as informações da comissão sobre a morte de Santa Cruz, o presidente disse: "Quem sabe. Quem sabe a gente possa. Não é contestar, agora se gastou R$ 5 bilhões, dinheiro público do povo que trabalha, para quem nunca trabalhou. Não pretendo mexer no passado, pretendo respeitar a Lei da Anistia de 79, esse é o meu sentimento, acho que tem que ser respeitado", afirmou. Anteontem, Bolsonaro questionou a existência de documentos sobre a morte de Santa Cruz. "Você quer documento para isso, meu Deus do céu. Documento é quando você casa, você se divorcia. Eles têm documentos dizendo o contrário?" Em seu briefing diário, o porta-voz da Presidência, Otávio do Rego Barros, afirmou que o governo federal não pretende rever os atos da comissão.