Título: A suposta democracia petista
Autor: Jarbas Passarinho*
Fonte: Jornal do Brasil, 27/09/2005, Outras Oipniões, p. A11
Os petistas - melhor dizendo, os intelectuais petistas mais atônitos com os escândalos que enlamearam o partido - apelam para o ataque ao defender o indefensável. Faltos de humildade, especialmente a intelectual, repetem as mesmas teses que faziam da burguesia a origem de todos os males da sociedade. Pelo menos permanecem fiéis ao marxismo que leram ou conhecem de ouvido. Mais honesto seria que não usassem terminologia que o povo desconhece. Quando a filósofa Marilena Chauí e a senadora Heloísa Helena se dizem marxistas-leninistas, não seria mais honesto que se declarassem fiéis ao comunismo? Louve-se o PCB, stalinista, que nunca escondeu a sua fidelidade ideológica. Ou o deputado Aldo Rebelo, que há pouco reafirmou seu ideário. De um modo geral, os comunistas escondem-se no amplo termo socialista, que odiaram tanto no passado. O marxismo não pode ser entendido sem a abolição da propriedade privada burguesa, para o que, muito antes de O Capital, bastaria ter lido o Manifesto Comunista de 1848. Engels e Marx escreveram que a característica distintiva do comunismo não era a abolição da propriedade em geral, mas da que ''produzia a exploração de muitos pelos poucos; nesse sentido. a teoria do comunismo pode ser sintetizada numa sentença: abolição da propriedade privada''. Mas alguns intelectuais escondem essa sentença definidora e se dão muito bem com a burguesia que lhes admira o talento, sinceramente ou por conveniência. Quem tem a menor familiaridade com Lênin, sabe que a práxis leninista implica conquistar o poder pela luta armada. E quem tiver um mínimo de leitura de Marx, que Raymond Aron disse ter estudando durante 35 anos, conhece a sua crítica ''à democracia burguesa, cujas liberdades fundamentais não passam de liberdades formais''.
Feito este preâmbulo, como ler, da filósofa, sem estranheza, que ao PT devemos as conquistas democráticas, daí as ''razões de nosso horror a ele''? A que democracia pode referir-se ela? Às Democracias Populares, como as que designavam os satélites de Moscou, na Europa Central e Oriental? À RDA (República Democrática Alemã) que nada tinha de democrática e construiu o Muro de Berlim? Que democracia nos ensinou o governo petista, que nos teria infundido horror? Nos comícios e na Câmara dos Deputados, o PT era antidemocrático. Soprava apitos para impedir que oradores adversários pudessem ser ouvidos. O comportamento desabrido da militância petista, orientada à semelhança dos velhos comunistas dos tempos da Agit-Prop (agitação e propaganda), caracterizou a preferência da violência bestial à argumentação e ao debate das idéias, a ponto de Rachel de Queiroz haver alcunhado os petistas de ''fascistas vermelhos''.O que fizeram foi a República sindicalista, tomando o Estado de assalto, na prática '' delinqüente'' a que se referiu seu fundador Paul Singer, que o incorruptível Hélio Bicudo disse categoricamente dela ter ciência o próprio Lula, e segundo o jurista Konder Comparato ''o PT enganou todo mundo, partidários e não-partidários e agora é buscar o caminho ou cortar os pulsos''. Qual o caminho?... eis o dilema. À parte a mudez obsequiosa da filósofa, há os que teorizam. O manifesto dos intelectuais, ao lado do louvável repúdio à corrupção endêmica do núcleo de dirigentes do PT, prescreve a imediata mudança da política econômica neoliberal, a mesma de que acusavam Fernando Henrique Cardoso - sem definir bem o que seja ser neoliberal - e por sinal a única política que se salva no desgoverno Lula. Ao lado da receita do manifesto de intelectuais, há outros que preferem as frases vazias e cediças: ''O PT minou seus valores mais altos e dificultou a possibilidade histórica de construirmos uma sociedade fundada no bem comum''. Ora, o bem comum é reclamado até pelo neo-liberalismo quando fala da necessidade de construir uma sociedade em que todos atinjam um nível de vida compatível com a dignidade humana. Os meios de concretizar o bem comum distinguem as diversas doutrinas sociais e políticas contemporâneas. O socialismo real fracassou rotundamente. Criou as duas classes que Milovan Djilas descreveu sem possibilidade de contestação. Os bens pertenciam à nomenklatura soviética e não aos trabalhadores. Não me falem, pois, em democracia petista. Concordo com Maria Bittar e Amarílio Ferreira quando profetizam: ''A crise vivida hoje pelo PT é pior do que a sofrida após a derrota de 1935. Agora será mais difícil remar contra a maré ideológica conservadora para continuarmos acalentando as nossas utopias''. Ou negar Marx, com o socialismo científico? Ou mesclar o socialismo utópico com o capitalismo, gerando como na China o ''socialismo de mercado''? Ou talvez seja mais apropriado remar a favor da maré lendo nas memórias de Gorbachev esta passagem: ''A antinomia socialismo-capitalismo, imposta desde a segunda metade do século 19, me pareceu caduca''...
Jarbas Passarinho escreve no JB às terças-feiras, a cada 15 dias