Título: Radicalismo saudável é perigoso
Autor: Claudia Bojunga
Fonte: Jornal do Brasil, 27/09/2005, Saúde & Ciência, p. A12

É indiscutível que exagerar na batata-frita, na feijoada, no churrasco, no bolinho de bacalhau etc. pode provocar, a longo prazo, danos à saúde. Mas o excesso é prejudicial também no outro extremo. A obsessão por uma dieta natural também não faz bem, podendo até se transformar em um distúrbio alimentar.

Encaixam-se no perfil as pessoas que adotam dietas extremamente restritivas e passam grande parte do tempo em função do que comem. Os hábitos alimentares assumem um papel tão importante que não conseguem conversar sobre mais nada e acabam se isolando socialmente.

O mal - identificado em 1997 pelo médico americano Steven Bratman - foi chamado de ortorexia. Do grego orthós , correto, verdadeiro, e oréxis , apetite. A vida desses indivíduos é dominada pelo esforço em resistir às tentações, se auto-punir por sair do regime e sentir orgulhoso de si mesmo ao segui-lo.

A nutróloga Jane Corona nunca tinha ouvido falar do problema, mas já identificou alguns dos sintomas em pacientes:

- Há muita preocupação em escolher os alimentos que propagandas e médicos dizem que são perfeitos. - afirma a médica. - Tem gente que abole a gordura da dieta e começa a ter queda de cabelo e pele ressecada. - acrescenta, afirmando que a gordura, animal ou vegetal, é necessária.

Se o estilo xiita natural acarretar em uma brusca perda de peso, é necessário tomar cuidado e procurar um médico.

O próprio Bratman admite em seu site ( www.orthorexia.com) que passou por uma fase de ''purismo dietético'', que acabou abandonando.

''Tornei-me tão esnobe que desdenhava qualquer vegetal que tivesse sido colhido há mais de quinze minutos. Era totalmente vegetariano, mastigava cinqüenta vezes antes de engolir e sempre deixava meu estômago parcialmente vazio após uma refeição'', escreveu.

A ortorexia, no entanto, ainda não faz parte do Código Internacional das Doenças, uma referência para os médicos.

- Não há pesquisa suficiente para podermos diagnosticá-la - afirma Veruska Amigo, psiquiatra do Programa de Assistência aos Transtornos Alimentares da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Cláudia Callado é vegetariana, mas, pelo fato de ser nutricionista, sabe exatamente do que o metabolismo precisa.

- As dietas vegetarianas precisam ser planejadas para serem adequadas em termos nutricionais - explica.

O endocrinologista e mestre em nutrologia, Alberto Arbex concorda:

- A pessoa, às vezes, escolhe uma alimentação que não é adequada ao seu biotipo.

A ausência de uma orientação pode acarretar em erros. Quando a universitária Thaís de Almeida, de 21 anos, se tornou vegetariana - há 6 - não comia nenhum tipo de carne, nem derivados de animal, como ovos e queijos. A jovem, que sempre foi magra, não procurou uma nutricionista. Diz não ter tido problemas de saúde, mas, com 1,57m, chegou a pesar 38 kg.

- Nessa época, fui radical, mas sem uma base científica. Precisava de mais proteína, que as oleaginosas (como amendoim e caju) têm - conta.

Depois, passou a diminuir as restrições. Hoje, come peixe, iogurte e ricota.