O Globo, n. 32664, 11/01/2023. Economia, p. 13

Puxada por alimentos e serviços

Carolina Nalin


Pressionada pelas altas de alimentos e serviços, a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechou 2022 com aumento de 5,79%, após subir 10,06% em 2021. Apesar da desaceleração, o indicador veio ligeiramente acima do esperado (5,6%) e cravou o segundo ano seguido de estouro da meta de inflação —que era de 3,5%, com intervalo de tolerância até 5%.

O resultado teria sido ainda pior se fossem descontadas as quedas na gasolina (-25,78%) ena energia elétrica (-19%). Em meados do ano passado, o governo de Jair Bolsonaro reduziu os tributos sobre combustíveis e energia para forçar uma redução nos preços durante o período eleitoral. Segundo o IBGE, sem esses dois itens no cálculo, o IPCA teria fechado 2022 em 9,56%.

Para este ano, a expectativa de analistas é que a pressão inflacionária venha exatamente de preços administrados, como energia e combustíveis, com a volta de parte dos impostos. E o país caminha para registrar o terceiro estouro consecutivo: o IPCA deve fechar próximo a 5,36%, segundo mediana das projeções do Boletim Focus, do BC, enquanto a meta é de 3,25% com teto de 4,75%.

Credibilidade da meta

Para o Credit Suisse, uma deterioração das expectativas de inflação para 2024 e 2025 pode, no limite ,“levar a um questionamento da credibilidade do regime de metas de inflação ou ao debate em torno do nível adequado da meta de inflação para os próximos anos”.

O grupo Alimentação e Bebidas foi o que mais impactou o IPCA em 2022 ao subir 11,64%. Em seguida, aparece o setor de saúde e cuidados pessoais, com destaque para perfumes, planos de saúde e produtos farmacêuticos. Os avanços levaram o grupo a registrar alta de 11,43%, a maior desde 1996. O grupo Vestuário também registrou a maior alta desde 1995: subiu 18% em um ano, devido a custos de produção elevados e à retomada da demanda pós-pandemia.

Já no grupo Habitação (0,7%), as principais contribuições positivas vieram do aluguel residencial, da taxa de água e esgoto e do condomínio. Destacam-se ainda as altas de quase 20% dos artigos de limpeza e de pouco mais de 6% no gás de botijão.

Beneficiado pela redução de impostos, o grupo Transportes, que abarca combustíveis, encerrou 2022 com deflação (-1,29%) pela primeira vez desde 1995.

O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que reajusta aposentadorias, pensões e auxílios do INSS acima do salário mínimo, subiu 5,93%. Em nota, o Ministério da Previdência informou que os detalhes das correções serão divulgados em uma portaria interministerial a ser publicada no Diário Oficial da União até o fim desta semana.

A perspectiva de estouro da meta em 2023 joga pressão sobre o BC, que busca calibrar a taxa básica de juros, a Selic — hoje em 13,75% ao ano —, para conter a alta dos preços. Economistas reconhecem que o juro neste patamar impõe um freio à atividade. Mas ponderam que é preciso que os preços cedam de forma consistente e as incertezas fiscais deem trégua para o BC reduzir a taxa.

Daniel Karp, economista do Santander, destaca que o BC seguirá de olho no comportamento dos preços para não perder o controle das projeções para a inflação de 2024, cuja meta é de 3%:

— Isso sugere que os juros devem ficar acima do neutro por mais um tempo.

Para Luciano Sobral, economista-chefe da Neo Investimentos, a inflação no Brasil só está abaixo da média global por conta do “gol de mão” que foi o corte de impostos:

— A alta do juro real ainda não surtiu efeito total na inflação (o pico desse efeito deve ocorrer no fim do primeiro semestre de 2023). O risco fiscal, até agora, impediu uma apreciação no câmbio, que poderia ter ajudado a baixar as projeções de inflação, e levou a uma piora nas expectativas do mercado.

Altas em janeiro e fevereiro

Para analistas do J. P. Morgan, a chance de retorno dos impostos sobre os combustíveis, ainda que sob nova política de preços da Petrobras, deve pressionar o IPCA, e a previsão para 2023 saltou de 5,2% para 5,6%. Com o aumento das tarifas de ônibus, do IPVA e dos combustíveis neste início de ano, além da perspectiva de alimentos in natura mais caros devido às chuvas, a instituição já projeta inflação mais alta em janeiro e fevereiro.

André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) do Ibre/FGV, calcula que a inflação fecharia perto de 8,8% não fosse a renúncia fiscal promovida pelo governo federal. E este ano deve fechar 5,2%, considerando um retorno parcial dos tributos. Em sua opinião, a questão fiscal é o“calcanhar de Aquiles” do novo governo:

— A inflação foi pilotada pelo governo em 2022, quando reduziu impostos e se valeu disso para ter uma inflação mais baixa. Mas a conta chega. E agora não tem saúde fiscal tão grande para garantir esses impostos zerados. O que não veio em 2022 pode vir em 2023: se o combustível fica mais caro, tem efeito direto na bomba e um efeito indireto que encarece a prestação de serviços que usam o combustível para frete. Isso é nocivo e ajuda a espalhar pressões inflacionárias.

A trajetória da inflação de serviços — que fechou o ano passado com alta de 7,58% e reúne itens como alimentação fora do domicílio e transporte — também preocupa analistas. Isso porque a desaceleração dos preços desses itens costuma ser mais lenta.

— Esperamos uma inflação de serviços rodando em torno de 7% em 2023, que é um patamar alto e acima do compatível com a meta — diz Júlia Passabom, economista do Itaú Unibanco, que prevê corte da Selic somente no quarto trimestre, para 12,50%.