Valor Econômico, v. 20, n. 4885, 22/11/2019. Política, p. A16
Fernando Pimentel é condenado por tráfico de influência
Marcos de Moura e Souza
O ex-governador de Minas Gerais Fernando Pimentel (PT) foi condenado a 10 anos e 6 meses de prisão por tráfico de influência e lavagem de dinheiro. É uma decisão em primeira instância da Justiça mineira e ele pode recorrer em liberdade. O caso envolve recursos para a campanha eleitoral do petista em 2014 pagos por um dos grandes grupos imobiliários de alto luxo do país, o JHSF. O conglomerado é dona do Grupo Fasano, que tem hotéis e restaurantes, além de shoppings, como o Cidade Jardim, em São Paulo, e outros empreendimentos.
A sentença assinada pela juíza Luzia Peixoto, da 32ª zona eleitoral de Belo Horizonte, foi publicada na edição de ontem do “Diário da Justiça” de Minas.
A juíza relata que a aproximação do empresário José Auriemo Neto, da JHSF, com Pimentel começou em 2011, quando este era ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Era o primeiro ano de governo da então presidente Dilma Rousseff (PT).
Embora não fosse um assunto do ministério, Auriemo procurou Pimentel para tratar do projeto da JHSF de construir um aeroporto internacional privado para aviação executiva na cidade de São Roque (SP), o Aeroporto Catarina. A assessoria da JHSF diz que as obras do empreendimento estão praticamente prontas.
Pimentel, segundo o empresário relatou no processo, prontificou-se a empenhar seu prestígio junto ao novo governo para fazer avançar as autorizações necessárias para o aeroporto. De acordo com a juíza, o então ministro colocou Auriemo em contato com o empresário Benedito Rodrigues de Oliveira Neto, apelidado de Benê.
Em 2012, veio, conforme consta da sentença, a primeira cobrança em troca do suposto empenho de Pimentel em favor do projeto. Benê solicitou R$ 200 mil a Auriemo, recursos que, segundo o processo, seriam usados na campanha do PT à Prefeitura de Belo Horizonte naquele ano.
Os recursos, segundo os autos, foram entregues dentro de uma bolsa em setembro daquele ano a um portador em São Paulo. Menos de um ano depois, o Departamento de Outorgas da Secretaria de Aviação Civil apresentou nota técnica favorável ao pedido da JHSF. A portaria de aprovação do plano de outorga da operação do aeroporto foi assinada em agosto de 2013, de acordo com a juíza.
Meses depois, continua a juíza, veio uma cobrança mais polpuda, novamente feita por Benê: agora R$ 5 milhões para a campanha de 2014 de Pimentel ao governo de Minas.
Conforme consta nos autos, Auriemo “preocupava-se em não negar peremptoriamente a demanda de uma autoridade [o então ministro], embora fosse ela feita apenas pelo seu representante [Benê]”.
As empresas do grupo JHSF, segundo é mencionado na sentença, “efetuaram o pagamento da quantia correspondente ao tráfico de influência num total de R$ 4,255 milhões”.
A maior parte, por meio de doações eleitorais ao PT e uma parte menor como pagamento à Vox Populi, empresa de pesquisas de opinião de Belo Horizonte, que prestaria serviços para a campanha de Pimentel. No entendimento da Justiça, a Vox recebeu de uma empresa do JHSF como se tivesse prestado serviços para o grupo.
Tanto Auriemo quanto Benê firmaram acordos de delação premiada. A assessoria do JHSF informou que o grupo não é parte do processo. E Auriemo, por meio de nota, disse que seu acordo de colaboração, homologado pelo Superior Tribunal de Justiça, “estabeleceu suspensão do processo mediante pagamento de R$ 1 milhão para o Hospital do Câncer de Barretos, já efetuado”.
Benê foi condenado na mesma ação penal de Pimentel a oito anos de prisão pelos mesmos crimes: tráfico de influência e lavagem de dinheiro. E também poderá recorrer em liberdade.
No processo, Pimentel negou que tenha atuado para ajudar no avanço do projeto do aeroporto e que nunca pediu nada aos então secretários da aviação civil. Quanto às doações eleitorais de Auriemo, Pimentel afirmou que elas ocorrem dentro da lei. “Nunca autorizei ninguém a fazer pedidos em meu nome, muito menos pedidos que não fossem os oficiais, devidamente registrados”, Pimentel afirmou, segundo a sentença.
A juíza, no entanto, chama atenção para uma viagem que o petista fez em março de 2014 acompanhado de sua esposa, Carolina, e de Benê ao hotel Fasano Las Piedras, em Punta del Este, Uruguai. Hoje de propriedade do grupo JHSF, diz a juíza, “sem desembolsarem um centavo sequer”.
A sentença reproduz argumento da defesa de Pimentel, que sustenta que Benê agiu em benefício próprio usando o nome do então ministro para arrecadar para si. Mas ela contesta afirmando que Pimentel tinha ciência em que circunstâncias o grupo JHSF fez doações para o PT.
“O crime foi engendrado e executado em meio de um cenário extremamente favorável ao delito praticado pelo fato de que, como pano de fundo, destacava-se na importância política que [Pimentel] ocupava no governo federal, onde se distinguia e destacava pela capacidade intelectiva e envergadura política partidária que ocupava na função desempenhada.” Pimentel foi eleito em 2014 e perdeu a reeleição em 2018.
O advogado de Pimentel, Eugênio Pacelli, disse ontem que a condenação é despropositada e contrária às provas dos autos. “Colaboradores mudando versões, fatos claramente inventados e desvendados em audiência. E acolhidos como verdade”, reagiu ele, dizendo-se confiante que a sentença será revertida.
Marcos Coimbra, sócio da Vox Populi, e Márcio Hiram Guimarães Novaes, que é mencionado no processo como um representante da Vox, também foram condenados: 2 anos, 9 meses e 18 dias de prisão por falsidade ideológica, com substituição por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária de 30 salários mínimos. A assessoria da Vox disse que a empresa prestou à Justiça todas as informações solicitadas. Assim como Pimentel e Benê, os dois também podem recorrer em liberdade. “Ao contrário do alardeado pelas demais defesas, a sentença condenatória é consistente e a palavra do Benedito foi corroborada pela investigação realizada pela Polícia Federal e pela prova produzida em instrução penal”, disse o advogado de Benê, Roberto Pagliuso. O Fasano disse que não faria comentários.