O Globo, n. 32664, 11/01/2023. Política, p. 4

“Omissão estarrecedora''

Aguirre Talento
Renan Monteiro
Patrick Camporez
Jeniffer Gularte


Na mais dura contraofensiva aos ataques golpistas ocorridos no domingo, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou ontem a prisão do ex-secretário de segurança do Distrito Federal Anderson Torres, além de busca e apreensão na casa onde ele mora, em Brasília. Também por ordem do magistrado, a Polícia Federal prendeu o ex-comandante da Polícia Militar da capital Fábio Augusto Vieira. Ambos são acusados de terem responsabilidade direta nos atos que resultaram na invasão às sedes dos Três Poderes. Para Moraes, a omissão deles pôs em risco a vida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Anderson Torres, que foi ministro da Justiça durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, e Fabio Vieira já haviam sido exonerados dos cargos que ocupavam no governo do Distrito Federal logo após a deflagração dos ataques, no próprio domingo.

De acordo com Alexandre de Moraes, Torres e Vieira, como responsáveis pela segurança da capital do país, se eximiram de montar um esquema de proteção capaz de deter os terroristas, mesmo sabendo que havia risco de investidas violentas como as que ocorreram. Diferentemente do PM, preso em casa, em Brasília, o ex-secretário está em viagem aos Estados Unidos e não foi encontrado. Ontem à noite, Torres escreveu em suas redes sociais que vai se apresentar à Justiça e se dedicar à sua defesa.

Em seu despacho, Moraes classificou a participação da dupla como algo “gravíssimo” e afirmou que o comportamento deles expôs, não apenas o chefe do Executivo, como os integrantes do Supremo, deputados e senadores. Na avaliação do ministro, “absolutamente nada justifica a omissão e conivência” atribuídas a eles. Os atos terroristas terminaram com o Palácio do Planalto e os prédios do Congresso e do STF completamente destruídos pelos manifestantes.

Moraes sustenta ainda que Torres tinha o dever legal de adotar o planejamento adequado para a segurança dos Três Poderes, o que não foi feito, segundo ele. O ministro cita “fortes indícios de que as condutas dos terroristas criminosos só puderam ocorrer mediante participação ou omissão dolosa” das autoridades.

“A omissão das autoridades públicas, além de potencialmente criminosa, é estarrecedora, pois, neste caso, os atos de terrorismo se revelam como verdadeira ‘tragédia anunciada’, pela absoluta publicidade da convocação das manifestações ilegais pelas redes sociais e aplicativos de troca de mensagens”, escreveu o ministro no despacho.

Diferentes elementos indicam que houve falhas no sistema de segurança montado para conter possíveis ataques. Horas antes de eles acontecerem, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) emitiu um alerta a diferentes órgãos, entre eles a secretaria de segurança do DF, de que bolsonaristas radicais planejavam uma manifestação em que estariam dispostos a depredar o patrimônio público. Os agentes identificaram que integrantes do grupo estavam fazendo convocações para o ato.

Além disso, o ministro da Justiça, Flávio Dino, afirmou que o governo do DF mudou de última hora a estratégia para conter o golpistas. Segundo ele, as autoridades locais recuaram do plano de instalar uma barreira que impediria a aproximação deles ao Congresso, primeiro alvo dos terroristas, que depois invadiram o Planalto e o STF. Procurado na segunda-feira, o governo do DF não quis se manifestar.

A ordem de prisão a Torres e Vieira não foi a primeira medida de Moraes contra ex-ocupantes de postos de alto escalão do Executivo da capital. Na madrugada de segunda-feira, ele já havia determinado o afastamento de Ibaneis Rocha do cargo de governador do Distrito Federal por 90 dias. Moraes considerou que, assim como os seus subordinados, ele foi negligente e não tomou as providências necessárias para evitar os ataques terroristas às instituições.

Na esteira do mesmo episódio, a vice-procuradora geral da República, Lindôra Araujo, solicitou ao Supremo a abertura de um inquérito para investigar a atuação de Ibaneis Rocha, de Anderson Torres e Fábio Vieira, além de ex-secretário de segurança interino Fernando Oliveira, nos atos golpistas. Ela vê “indícios graves” de que o quarteto participou do que chamou de “verdadeiro atentado ao estado democrático de Direito”.

Alegação de clonagem

Já o procurador-geral da República, Augusto Aras, criou nesta terça-feira uma comissão em defesa da democracia, vinculada ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgão que ele preside. O colegiado será composto pelos conselheiros do CNMP, que podem designar outros nomes para auxiliá-los. Aras vinha sendo alvo de pressão por parte de procuradores federais, que acusavam o chefe da PGR de se omitir de investigar atos e organizações golpistas de aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Logo após a ordem expedida por Moraes, ontem à tarde, Torres usou as redes sociais para dizer que a conta dele no Whatsapp havia sido clonada, como revelou a colunista do GLOBO Bela Megale. Investigadores avaliam que o post pode ser uma estratégia para justificar a possível ausência de mensagens em seu aparelho celular, que será apreendido. A respeito da ordem de prisão contra ele, mais tarde, ele afirmou que está de férias nos EUA e que irá se apresentar. “Sempre pautei minhas ações pela ética e pela legalidade. Acredito na justiça brasileira e na força das instituições. Estou certo de que a verdade prevalecerá”, escreveu. O GLOBO não conseguiu localizar os representantes do PM Fábio Vieira. Já Ibaneis Rocha pediu desculpas públicas pelas cenas de quebradeira do fim de semana e, sobre o afastamento do cargo, afirmou que respeitará a decisão judicial de Moraes.