Valor Econômico, v. 20, n. 4885, 22/11/2019. Política, p. A14

Deus, armas e liberalismo guiam Aliança pelo Brasil

Fabio Murakawa
Matheus Schuch 



Novo partido do presidente Jair Bolsonaro, o Aliança pelo Brasil nasceu ontem com as feições de sua principal estrela. O programa apresentado em um evento em Brasília revelou uma legenda com viés fortemente religioso, uma pauta conservadora nos costumes e liberal na economia, de ideologia “anticomunista e antiglobalista” e pró-armas. O caráter armamentista ficou explicitado pelo número escolhido para o Aliança: 38.

Apesar do magnetismo e da força política de Bolsonaro, ele próprio ainda tem dúvidas sobre se o partido será fundado a tempo de concorrer nas eleições municipais de 2020.

O Aliança será comandado pela família do presidente e seu círculo mais próximo. Bolsonaro presidirá a legenda, que terá como vice seu filho 01, o senador Flávio Bolsonaro (RJ). Jair Renan, filho 04 que tem 21 anos, ganhou o cargo de vogal do partido. Os advogados Admar Gonzaga e Karina Kufa, próximos do presidente com forte atuação no Aliança, serão respectivamente secretário-geral e tesoureira.

Ligado a outro filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), Tercio Arnaud também será vogal do partido. Ele hoje é assessor especial da Presidência.

Todos eles formam o que foi chamado de “Comissão Provisória de Trabalho”, que na prática funciona como uma executiva nacional da legenda que ainda não foi formalmente criada.

O Aliança tem até abril para concluir seu processo de fundação. A próxima etapa é a coleta e a conferência de 500 mil assinaturas de apoiamento sua fundação.

Os advogados do presidente vão lutar para que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reconheça dados biométricos como forma de apoiamento. A corte deliberará sobre o tema na semana que vem.

Ontem, em sua live semanal no Facebook, Bolsonaro colocou em dúvida a viabilidade do partido para as próximas eleições caso isso não ocorra.

“Acredito que o partido estará funcionando [nas eleições municipais] somente se forem aceitas as assinaturas eletrônicas”, disse o presidente. “Caso contrário, acredito que estaremos concorrendo somente nas eleições de 2022.”

O ato de ontem, primeiro passo no processo de criação da legenda, reforçou a ligação do Aliança com valores religiosos.

Ao ler o programa partidário, Karina Kufa afirmou que o Aliança reconhece “o lugar de Deus na história e na alma do povo brasileiro” e que “a relação entre o povo e Cristo é inseparável”. Por isso, “o partido toma como seus os valores do evangelho, ciente de que o povo brasileiro acredita que Deus é o garantidor do verdadeiro desenvolvimento humano”.

Além disso, o documento afirma que a “laicidade do Estado jamais significou ateísmo obrigatório, como ocorre em regimes autoritários que perseguem a religião”.

A legenda de Bolsonaro também busca se contrapor ao socialismo, comunismo, nazifascismo e globalismo, que classifica como “ideologias nefastas”.

“Este será um partido conservador, comprometido com a ordem e liberdade. Em harmonia com suas tradições históricas e culturais”, leu Karina Kufa. “Um partido político soberanista e não comprometido com as falsas premissas do globalismo.”

O programa partidário promete ainda lutar para que todos possam ter o seu direito inalienável de portar armas. Essa ideia influenciou na escolha do número do partido. Bolsonaro desistiu do 80, escolhido na véspera, e cravou o 38, em alusão ao calibre de um dos revólveres mais usados no país.

O documento prega ainda a defesa da família e a proteção das crianças, combatendo “a erotização da infância e a ideologia de gênero”; a defesa das forças policiais e militares; redução dos controles do Estado sobre a economia; e defesa da propriedade privada.

Flávio Bolsonaro disse que o programa é “coerente” com toda a história da vida pública de seu pai.

“[Coerente] não só com toda história que o presidente sempre defendeu ao longo de sua vida pública, de respeito à família, à soberania nacional, aos valores judaico cristãos, pautas bem claras contra o aborto, contra a legalização das drogas, pela liberdade de pensamento dos alunos dentro da escola, pelo respeito ao pais de poder sobre seus filhos, inclusive com relação às escolas que eles estudam”, disse o senador. “Então, é um partido com diretrizes bastante claras, totalmente dedicado a essas pautas e sob a liderança do nosso presidente Jair Bolsonaro.”

Antes mesmo de nascer, o Aliança já assegurou a filiação de ao menos dois governadores que, a exemplo de Bolsonaro, também se desfiliarão do PSL: Antonio Denarium, de Roraima, e Marcos Rocha, de Rondônia. Ambos compareceram ao evento ontem.

“Eu sou um bolsonarista. Fui eleito com o apoio do presidente e vou segui-lo”, disse Denarium ao Valor. “Assim que o processo de criação estiver concluído, eu assino a minha ficha de filiação.”

A assessoria de Rocha confirmou que ele aceitará o convite de Bolsonaro para integrar o Aliança.