Valor Econômico, v. 20, n. 4885, 22/11/2019. Política, p. A14

APB nasce com viés oligárquico e aposta no eleitorado evangélico

Andrea Jubé


O primeiro enunciado do Aliança pelo Brasil (APB) é o “respeito a Deus e à religião”. O anúncio veio seguido de gritos de “glória a Deus” do público de cerca de 500 pessoas que lotou o auditório do Hotel Royal Tulip, um dos mais caros de Brasília, e que segundo Bolsonaro, foi cedido para o evento pelo empresário e ex-senador Paulo Octávio.

A aposta no segmento religioso segue a estratégia do presidente Donald Trump, em quem Bolsonaro se espelha. Segundo reportagem do “Financial Times”, reproduzida pelo Valor no início do mês, a nova chefe de divulgação da fé da Casa Branca, Paula White, advertiu: “Dizer não ao presidente Donald Trump seria dizer não a Deus.”

O livro “Como as democracias morrem”, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, registra que em 2016, 76% dos cristãos evangélicos brancos se identificavam como republicanos. Raça e religião são os temas que acirram a polarização política nos Estados Unidos, tendência seguida pelo eleitorado brasileiro.

O programa do Aliança dialoga com cristãos e conservadores nos costumes. Exalta o direito à vida e “reconhece o lugar de Deus na vida do povo brasileiro, que é religioso e educado nas bases do cristianismo”.

O documento recorda que o “primeiro ato em terras brasileiras foi uma missa” e ressalta que é preciso combater a “hostilidade e o menosprezo  religião”. O texto relativiza o Estado laico, previsto na Constituição Federal. “Jamais a laicidade do Estado significou ateísmo obrigatório”.

“O meu nome tem Messias, mas sou igual a vocês”, disse Bolsonaro. Ele exaltou que se tornou presidente graças “à vontade de Deus” depois de ganhar uma “segunda vida” ao sobreviver à facada sofrida na campanha.

A estratégia é matemática: a população evangélica é a que mais se expande no Brasil: o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há nove anos, mostrou que o número de evangélicos no país cresceu 61% em dez anos. Em 2010, eram 22% dos brasileiros, e pesquisadores indicam a persistência dessa curva de crescimento.

O Aliança pelo Brasil foi lançado com a pretensão de se tornar o partido mais relevante da história brasileira, mas parece uma empresa familiar: Bolsonaro é o presidente, o filho mais velho, senador Flávio Bolsonaro, é o primeiro vice-presidente, e o filho mais novo, Jair Renan, é “vogal” - integrante com direito a voto.

Na defensiva para que o PSL não lhe tire o mandato, o deputado Eduardo Bolsonaro, não compõe a Executiva. Alvo da CPMI das Fake News e citado no caso Marielle Franco, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC), também ficou de fora.

Mas ambos estão representados na cúpula por auxiliares, como Carlos Eduardo Guimarães, assessor de Eduardo, e Tércio Arnaud, ligado a Carlos e assessor do gabinete presidencial.

Embora deputado federal por 28 anos, Bolsonaro foi eleito como outsider e criminalizando a atividade política. Agora no comando de um partido, ele mudou o discurso e afirmou que não existe outro caminho para buscar soluções para o país. “Tudo passa pela política, tudo aqui é política”, ensinou.