Valor Econômico, v. 20, n. 4805, 01/08/2019. Finanças, p. C2

Fed não cortava taxa desde 2008

Nick Timiraos



O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) cortou ontem sua taxa referencial de juro em 0,25 ponto porcentual - a primeira redução desde 2008 -, numa medida preventiva para proteger a economia americana de uma desaceleração global e da escalada das tensões comerciais. O Fed também anunciou que vai encerrar o programa de enxugamento de seu balanço de ativos de US$ 3,8 trilhões dois meses antes do previsto.

Dos membros do comitê de mercado aberto (Fomc), oito votaram a favor da redução da taxa de curto prazo, para a faixa entre 2% e 2,25%, e dois optaram por manter os juros inalterados. O comunicado divulgado depois da reunião deixa abertas as portas para um novo corte nos próximos meses.

Em entrevista a jornalistas, o presidente do Fed, Jerome Powell, classificou o corte nos juros de "um ajuste de meio de ciclo" e não descartou mais cortes nas taxas. Mas ele também disse que a decisão "não é o começo de uma longa série de cortes nos juros" porque esse caminho só é seguido em tempos de problemas econômicos graves. "Essa não é a nossa perspectiva ou percepção no momento", afirmou ele.

As ações caíram, os rendimentos dos bônus subiram e o dólar avançou depois da decisão do Fed e durante a entrevista de Powell, aparentemente porque muitos investidores ficaram desapontados com o fato de o corte nos juros não ter sido maior, ou ele não ter sinalizado com mais ênfase novas reduções.

Os mercados financeiros acreditavam que o Fed iria reduzir sua taxa em pelo menos 0,25 ponto percentual. Em junho, sete dos 17 membros do Fed indicaram acreditar que as taxas estariam 0,5 ponto mais baixas até o fim do ano, sugerindo um apoio significativo para pelo menos mais um corte.

A decisão de reduzir os juros se deve em parte aos temores de um recuo imediato do crescimento - e em parte à incapacidade dos bancos centrais de gerar mais inflação, que é vista como um sinal de demanda econômica saudável.

Eric Rosengreen, presidente do Fed de Boston, e Esther George, presidente do Fed de Kansas City, discordaram da decisão. Os dois estiverem entre o grupo de autoridades do Fed que disseram recentemente não ver um motivo forte para cortar os juros porque os dados econômicos dos EUA estão bons. Além disso, as ações encontram-se perto de patamares recordes de alta, em grande parte em antecipação a cortes de juros pelo Fed.

As autoridades monetárias veem hoje uma ligação mais estreita do que no passado entre a economia americana e as economias mundiais, levando a novos questionamentos sobre até onde elas podem subir as taxas domésticas acima das de outras economias avançadas, que se encontram mais baixas ou mesmo negativas.

Nos últimos meses, o presidente Trump foi ruidoso em seus pedidos para o Fed cortar os juros em 1 ponto porcentual, anulando todos os quatro aumentos do ano passado. O Fed diz que não leva em conta considerações políticas em suas decisões de política monetária.

A decisão de ontem encerra um esforço de quatro anos para um retorno à política monetária de antes da crise de 2008, a partir de quando, além de manter os juros perto de zero, o Fed comprou mais de US$ 3,5 trilhões em títulos do Tesouro e bônus hipotecários.

Quando esse processo começou, as autoridades acreditavam que em algum momento os juros retornariam para algo entre 3% e 4% e que esse portfólio de títulos cairia para algo entre US$ 1,5 trilhão e US$ 2,5 trilhões. O fim repentino da chamada normalização mostra como a política monetária deverá operar com menos ferramentas convencionais do que no passado.