O Globo, n. 32664, 11/01/2023. Política, p. 6

''Ele exonerou o comando e, viajou. É indício de sabotagem''

Entrevista: Ricardo Cappelli


Quais foram as falhas de segurança que levaram aos atos terroristas de domingo?

Quem garante segurança no Distrito Federal é a Secretaria de Segurança Pública. Todas as informações que o Ministério da Justiça recebia e cobrava indicavam que iria se repetir no dia 8 o sucesso que aconteceu na posse, no dia 1º. Por que em tão pouco tempo fomos de uma operação exemplar para uma operação desastrosa?

O que aconteceu?

Quem assumiu a secretaria foi Anderson Torres, ex ministro da Justiça de Bolsonaro. Ele exonerou uma série de pessoas na secretaria e viajou. Recebi a informação que nem poderia ter viajado porque as férias dele seriam a partir do dia 9 de janeiro. Ele estava fora. Exonera o comando e viaja. Claro que a Justiça vai apurar, mas na minha opinião há fortes indícios de sabotagem de Anderson Torres como um dos principais responsáveis pelo que aconteceu domingo.

A secretaria de segurança do DF estava acéfala?

A secretaria estava acéfala no dia 8. Conversei com o chefe de gabinete do secretário anterior e ele me disse que, para a operação do dia 1º, eles viraram noites e noites dentro dessa sala fazendo planos, checando, indo, voltando. Qual foi o planejamento pro dia 8? O secretário sequer estava aqui e exonerou o comando da secretaria. Houve desmonte do comando da secretaria. O secretário viajou por acaso? Essas ações são coincidência? Não me parece.

O ministro fala que houve mudança de estratégia nas últimas horas antes das manifestações golpistas. Qual foi essa mudança?

Não tenho essa informação pra dar. O ministro tratava diretamente com o governador. Todas as informações que a gente recebeu era que iria se repetir o sucesso do dia 1º. Quem faz operação na ponta é o governo do DF. Já vi manifestação de 50 mil pessoas que sequer conseguiram se aproximar do Congresso Nacional. Então cinco mil pessoas fizeram aquilo tudo? É algo que não é sequer razoável. Não aconteceria sem a conivência do secretário. Se houvesse comando firme, isso não aconteceria.

O senhor acredita que o comando da PM do DF para a tropa foi de que houvesse conivência para os manifestantes golpistas?

A Polícia Militar tem como referência a liderança. Houve comando efetivo e planejamento? Desde que assumi, dei voz de comando aos comandantes e isso foi seguido. Ontem fizemos operação o dia inteiro, tanto para desmontar acampamento como para levar essas pessoas para a Academia Nacional de Polícia, para fazer o auto de flagrante. E em todos os momentos, os oficiais seguiram esse comando. O problema maior foi a ausência de comando. Tinha um vácuo e isso é grave.

O governo federal poderia ter agido de forma diferente no domingo?

A gente recebeu as informações de que haveria uma operação similar ao do dia 1º, e que seria um sucesso. Numa relação interfederativa você acredita na informação que te é passada pelo ente federado. Vamos ter que apurar.

O governo federal não confiou demais nas informações do governo do DF?

A gente tinha confiado uma semana atrás e tinha dado certo. Você desconfia quando tem motivos. Até então, não existiria motivo. A operação do dia 1º foi um enorme sucesso. A gente jamais imaginou que haveria um desmonte da Secretaria de Segurança. O que nos chegava eram informações dizendo que estava tudo bem, tudo certo, que a manifestação seria tranquila, que as tropas iriam garantir. Falar depois do acontecido, é fácil, mas as relações interfederativas se pautam pela confiança.

Como vai funcionar a intervenção na segurança pública do DF sob seu comando? Quais suas prioridades?

A principal prioridade é retomar o comando sobre as forças de segurança do DF, para que essas forças possam auxiliar na retomada da normalidade na capital do país. No domingo existia um ponto crítico. Ontem desmontamos o acampamento, tirando o que se transformou numa incubadora de planos contra o Estado Democrático de Direito. Era um ponto central. Agora tem duas fases: apurar as responsabilidades todas, pois ninguém pode ficar impune, e já estamos fazendo isso; e, ao mesmo tempo, restaurar o clima de normalidade no DF, a partir da afirmação do comando das forças de segurança

Quais cargos da secretaria de segurança do Distrito Federal o senhor já trocou?

Já troquei comandante da Polícia Militar ontem. E vou continuar fazendo ajustes. Vou exonerar os principais nomes indicados por Anderson Torres na secretaria.

O senhor suspeita de uma sabotagem que tenha partido da secretaria de segurança. Como senhor vai trabalhar com clima de desconfiança?

Retomando a confiança. A SSP funcionou plenamente com eficiência no dia 1º. Nós vamos retomar o marco do dia 1º. Estou conversando com profissionais que estavam na secretaria. Meu critério será a eficiência. Estou assumindo uma missão temporária, preciso ter referência e a minha é a organização do dia 1º. E boa parte dos profissionais que trabalharam nessa organização foram exonerados a partir do dia 2, estou procurando esses profissionais para trazê-los de volta.

Para retomar a normalidade, a relação com a PM é a mais sensível?

É uma relação sensível, mas quero ressaltar a postura exemplar do coronel Klepter Rosa (novo comandante-geral da PM), que me deu total e irrestrito apoio e colaboração. Isso é fundamental para homens de Estado. A Polícia Militar tem que servir ao Estado e à Constituição. Coronel Kleptert em 29 anos de serviços prestados, tem postura exemplar assim como vários outros oficiais.

Comando da Polícia Civil será trocado?

Não há nenhuma indicação até o momento. A Polícia Civil tem tido uma postura muito colaborativa.

Golpistas ameaçam novos ataques na Esplanada. Haverá segurança extra?

Um dos objetivos de grupos criminosos e terroristas é impor a pauta do medo. Eles querem deixar a sociedade em estado de atenção permanente para que pautem a agenda da sociedade. Não vamos permitir isso. Vamos apurar até às últimas consequências: identificar e prender todos os criminosose, em paralelo, retomar a normalidade. Não podemos assumir a pauta deles, que é a pauta do medo e do ódio.

Se novas manifestações de bolsonaristas forem marcadas na Esplanada, como senhor vai agir?

Garanto à população que em hipótese alguma se repetirá o que ocorreu no dia 8.

O senhor vai pedir apoio de polícias de outros estados?

“Para a operação do dia 1º, eles viraram noites e noites dentro dessa sala fazendo planos, indo, voltando, checando. A partir do dia 2, os profissionais foram exonerados. Vou trazê-los de volta”