Valor Econômico, v. 20, n. 4805, 01/08/2019. Finanças, p. C1

Quanto os juros poderão cair nos novos ciclos de baixa no Brasil e nos EUA?
Alex Ribeiro

O Federal Reserve (Fed) de Jerome Powell e o Banco Central de Roberto Campos Neto iniciaram ontem novos ciclos de baixa de taxas de juros. Quanto os juros poderão cair, no Brasil e nos Estados Unidos? Por aqui, a sinalização de uma baixa de 1 ponto percentual chega a ser redundante. Nos Estados Unidos, há muita dúvida, mas a experiência na Era Greenspan indica a possibilidade de cerca de 0,75 ponto.

O BC brasileiro colocou um limite muito determinado para o tamanho do atual ciclo de corte de juros, de 1 ponto percentual, provavelmente para contrabalançar a onda de otimismo que deverá ocorrer no mercado financeiro com uma baixa mais forte na meta da taxa Selic.

 

Ontem, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC cortou em 0,5 ponto os juros básicos da economia, de 6,5% para 6% ao ano. Nem todos acreditavam num corte tão forte. A curva de juros futuros embutia uma chance de cerca de 75% de um corte dessa magnitude. Já a média das projeções da pesquisa Focus sugeria que cerca de 75% dos analistas esperavam um corte mais modesto, de 0,25 ponto.

O Copom deu uma sinalização duplicada de que, apesar desse passo inicial mais largo, o orçamento total para a baixa de juros é limitado. A projeção de inflação no cenário de mercado mostra que, se os juros caírem a 5,5% ao ano, a inflação ficará em 3,9% em 2020, muito próximo da meta do ano, de 4%, hoje principal alvo da política monetária. Ou seja, não dá para levar a Selic abaixo de 5,5% ao ano.

As projeções de inflação têm sido, desde a gestão Ilan Goldfajn, o principal sinalizador do espaço para estímulos monetários. A tradição foi mantida na gestão Campos, inclusive com a manutenção no colegiado de um dos seus arquitetos, o diretor de política econômica, Carlos Viana de Carvalho.

 

O comunicado reforça essa mensagem de forma mais explícita. Diz que "a evolução do cenário básico e, em especial, do balanço de riscos prescreve ajuste no grau de estímulo monetário, com redução da taxa Selic em 0,5 ponto percentual". E acrescenta que "a consolidação do cenário benigno para a inflação prospectiva deverá permitir ajuste adicional no grau de estímulo". Em bom português, significa que ajustou o grau de estímulo em 0,5 ponto e que, se tudo sair bem, vai ajustar de novo, cortando mais 0,5 ponto.

 

É bom lembrar: as sinalizações do BC são condicionais. Esse é o espaço para corte de juros com as informações hoje disponíveis. Se o cenário melhorar, o Banco Central irá ajustar o tamanho do ciclo. Foi o que aconteceu entre junho e julho, quando os juros compatíveis com o cumprimento da meta de inflação de 2020 caiu de 5,75% ao ano para 5,5% ao ano.

Todo esse esforço de comunicação parece ter o objetivo de segurar o aumento nas projeções de corte de juros que costuma ocorrer quando as decisões do colegiado ficam do lado mais otimista das expectativas. A regra tem sido: quanto mais o BC cortar juros, mais o mercado espera corte de juros.

 

A estratégia do BC tem seus riscos. Os últimos três presidentes do BC (Ilan, Alexandre Tombini e Henrique Meirelles) cortaram os juros mais do que o esperado e tentaram segurar as apostas com comunicados mais sóbrios. Nenhum foi bem-sucedido em conter a onda de otimismo.

 

Um outro risco é que, com o comunicado, o Copom voltou a fazer uma espécie de "forward guidance", indicando o caminho da taxa de juros na próxima reunião. No ano passado, em abril, quando Ilan fez isso, acabou incentivando apostas do mercado - e se viu em dificuldades quando o quadro mudou e o Copom teve também que mudar de ideia sobre dar mais estímulos.

 

Escaldado, dessa vez o Copom avisa que "a comunicação dessa avaliação não restringe sua próxima decisão", que continuará dependendo dos dados econômicos. O risco residual é, no meio da onda de otimismo, o mercado achar que esse aviso é apenas uma nota miúda de rodapé.

 

Já nos Estados Unidos, Jerome Powell comandou a baixa dos juros básicos em 0,25 ponto, para a faixa entre 2% a 2,25% ao ano. O mercado chegou a ficar um pouco assustado com a entrevista de Powell, que parecia vincular as decisões futuras à evolução dos dados econômicos e também à declaração de que o Fed estava fazendo um "ajuste de meio de ciclo".

 

O economista José Julio Senna, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas, lembra que nos anos 1990 o Fed fez dois ajustes preventivos de juros semelhantes, ambos de 0,75 ponto, na Era Greenspan. Num deles, na crise do México e de outros emergentes, cortou a taxa de 6% ao ano para 5,25% ao ano; no outro, na crise da Rússia e do Long Term Capital Management (LTMC), baixou de 5,5% ao ano para 4,75% ao ano.

 

"A economia não necessitava propriamente de redução de juros naqueles momentos", afirma Senna. "Muitos imaginam que a queda de juros de hoje [ontem] poderá não prosperar. Não necessariamente. Os dois ajustes preventivos envolveram três quedas de juros mais ou menos espaçadas."

 

Os economistas da Universidade de Princeton Alan Blinder e Ricardo Reis, numa análise acadêmica sobre o período Greenspan ("Understanding the Greenspan Standard") concluíram que a ação na crise russa e do LTCM foi a compra de um seguro para um sinistro de baixa probabilidade, mas de alto alcance. Powell têm indicado, desde a reunião de banqueiros centrais em Jackson Hole do ano passado, certa dose de interesse pela abordagem de administração de riscos na execução da política monetária.