Valor Econômico, v. 20, n. 4885, 22/11/2019. Opinião, p. A18

Eficiência energética, uma busca permanente

Marcos Marques
Pietro Erber


A eficiência energética é condição fundamental para a competitividade econômica e para o atendimento dos compromissos ambientais e sociais. Em vários países, os resultados alcançados recentemente têm sido relevantes, graças à mobilização dos mais diversos agentes. No entanto, poderiam já ser bem mais expressivos, inclusive no Brasil, onde cerca de dois terços da energia primária requerida são dissipados ao longo das diferentes cadeias energéticas, desde as fontes primárias até a obtenção da energia útil.

Observa-se que intervenções nas diversas etapas dessas cadeias têm sido decisivas para o aumento da eficiência. Tanto na obtenção de energia útil quanto nos processos intermediários, de transformação e transporte, os ganhos têm sido importantes. São inúmeros os exemplos, devidos a inovações tecnológicas, várias disruptivas, bem como à adequação das instalações e/ou das condições nas quais os equipamentos são empregados. Em suma, a busca da eficiência deve considerar condições sistêmicas e não apenas aquelas dos equipamentos componentes.

O emprego de novas tecnologias nos processos de transformação energética ensejam significativos ganhos de eficiência no aproveitamento das energias utilizadas. No Brasil, parte apreciável da biomassa utilizada para fins energéticos ainda é processada em instalações que proporcionam eficiências muito aquém daquelas que podem ser obtidas com tecnologias disponíveis e comprovadas. Há amplo espaço para aumentar a eficiência no uso das diversas modalidades de oferta energética, enquanto se prioriza o desafio de corretamente aproveitar o variado portfólio de fontes disponíveis. Tais objetivos podem e devem ser complementares e sinérgicos para o melhor atendimento dos requisitos de energia do país, em termos econômicos, sociais e ambientais.

A eficiência energética continua sendo um tema muito citado, até por ser politicamente atraente, mas os esforços no sentido de aumentá-la tem sido incipientes, apesar dos benefícios econômicos e ambientais que oferece. É um tema rico de sentido e oportunidades mas pobre de iniciativas e resultados efetivos e que praticamente só tem recebido maior atenção em momentos de forte escassez de oferta, ficando assim associado a situações indesejáveis.

Algumas questões e desafios são relevantes, especialmente num momento em que um novo governo é chamado a examinar, com visão aberta e criativa, a situação vigente e buscar caminhos para aumentar a eficiência energética, em linha com as prioridades da política energética e ambiental do país.

A quantidade de energia dissipada em processos intermediários e que, portanto, deixa de constituir energia útil (calor, iluminação, movimento, processos industriais) mostra como são amplas as oportunidades para o aumento da eficiência, que não se limitam a ações junto aos consumidores mas, também, aos demais agentes responsáveis pelas diversas etapas das cadeias energéticas.

O aumento de eficiência constitui a maneira mais ambientalmente favorável e sustentável de atender parte expressiva da produção de bens e serviços requeridos pela sociedade. Mas, diferentemente do aumento de oferta, baseada em instalações pontuais, geralmente de grande porte, cuja implementação é controlada por meios contratuais, o aumento da eficiência energética, particularmente no âmbito dos usuários finais, depende de processos decisórios pulverizados, sob responsabilidade de milhares quando não de milhões de agentes.

Portanto, trata-se de um processo que exige enfoques e práticas diferentes daqueles destinados ao aumento da oferta e sua inserção no planejamento setorial acarreta novas incertezas quanto às estimativas da demanda a ser atendida. O aumento da eficiência requer comunicação ampla e esclarecedora de porque fazer e como fazer. Demanda, eventualmente, sinalizações tributárias e apoio financeiro específico, considerando características positivas globais e exige que o agente interessado tenha acesso a equipamentos eficientes e saiba utilizá-los de forma correta.

No caso de órgãos de governo, é particularmente importante que sejam considerados nas aquisições e construções os equipamentos, instalações e procedimentos energeticamente mais eficientes, endossados formalmente por guias de consumo ou análises específicas de custo/benefício.

Iniciativas autônomas de fabricantes de equipamentos e de seus usuários, visando redução de custos, são relevantes, mas têm alcance limitado. Ganhos mais expressivos de eficiência dependem da implementação de projetos e programas. Para tanto, há que haver organização e recursos. Normas, padrões, financiamentos qualificados, estímulos e penalidades, gerenciamento da implantação com correções de rumo e revisão de metas, conforme as tecnologias disponíveis e os resultados já comprovados são fundamentais.

Enfim, a eficiência energética também requer um fluxo contínuo e abrangente de informações processadas criativamente, ensejando novos conceitos, novas políticas (particularmente industriais e de construção civil) além de recursos para sua utilização, que propiciem resultados e demonstrem seu valor para novos aderentes. Esse amplo processo exige a mobilização de instituições e empresas e, portanto, de efetivo suporte governamental.

Dentre as informações mais relevantes destacam-se os preços finais da energia e dos equipamentos que a utilizam, muito afetados pelos impostos, geralmente definidos à revelia de eventuais políticas energéticas. Políticas de preços da energia podem ser relevantes para estimular a eficiência, embora seus efeitos variem conforme a natureza do consumo. Para pequenas variações, muitos são nulos. Assim, preços finais, inclusive impostos, podem exigir medidas complementares, como campanhas de esclarecimento ou proibição de comercializar equipamentos cuja eficiência seja precária.

Não faltam exemplos, estudos, planos estratégicos elaborados por especialistas, do que e como fazer para aumentar a eficiência energética. No entanto, mesmo que haja necessidade de atualizá-los, evidencia-se a falta de mobilização e de uma ação continuada dos governos em tratar dessa matéria. Falta um campeão da causa e vontade política de atuar num jogo onde só se pode ganhar.

Marcos José Marques é presidente do Conselho de Administração do Instituto Nacional de Eficiência Energética (Inee)

Pietro Erber é diretor do Inee