Valor Econômico, v. 20, n. 4806, 01/08/2019. Brasil, p. A6

Fazenda promete atacar spread de 'forma intensa'

Ribamar Oliveira



O secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, afirmou ontem, em entrevista exclusiva ao Valor, que uma política de redução do spread bancário será feita neste segundo semestre de "forma intensa". Segundo ele, o governo fez estudos econométricos que mostram como o spread é constituído. "Temos elementos tributários e elementos de concentração bancária. Medidas podem contemplar esta área, mas com bastante zelo, respeitando o campo de ação do Banco Central", disse.

De acordo com a diretriz do governo de reduzir, em termos percentuais, a participação do crédito associado ao setor público, Waldery informou que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) deve focar sua atuação em três áreas consideradas estratégicas: financiamento a Estados e municípios, saneamento básico e privatização. Com isso, o banco deve ter um desembolso anual de aproximadamente R$ 69 bilhões, R$ 70 bilhões "ou menos". Ele informou que o governo prepara nova proposta de emenda constitucional (PEC) para reduzir os recursos que o BNDES recebe atualmente do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

O governo deverá, ainda neste semestre, apresentar a sua proposta para um novo pacto federativo. O secretário especial de Fazenda informou que uma das medidas da proposta é transferência para os governos estaduais da gestão e da decisão sobre a aplicação dos recursos dos atuais fundos constitucionais, que possuem um fluxo anual de R$ 13 bilhões. "O tipo de condicionalidade a ser colocada ainda está em análise, assim como o impacto fiscal associado a este processo. Mas a diretriz é clara. Nós iremos descentralizar tanto a alocação dos recursos e, mais intensamente, a decisão", afirmou.

Como a receita da União neste ano está menor do que a previsão que consta do Orçamento, o governo foi obrigado a contingenciar as dotações dos ministérios. Segundo Waldery, 13 ministérios estão em "estresse fiscal grande".

Não citou o nome dos ministérios, mas disse que, se o governo tiver informação concreta de que o leilão do excedente da cessão onerosa ingressará nos cofres públicos ainda neste ano, poderá incluir a receita ainda no relatório de avaliação de receitas e despesas de novembro, permitindo o descontingenciamento orçamentário.

O secretário disse também que o governo trabalha para que a privatização da Eletrobras seja feita ainda neste ano. A seguir os principais trechos da entrevista.

Estímulos à economia - Sim, nós já temos os cálculos dos efeitos das medidas já adotadas e aprovadas sobre a economia. Neste ano, o gasto primário total da União corresponderá a 19,2% do Produto Interno Bruto (PIB). O gasto da Previdência ficará em 8,6% do PIB. A reforma da Previdência, já aprovada em primeiro turno pela Câmara dos Deputados, vai estabilizar esse gasto até 2022, em proporção do PIB. Em 2022, o gasto previdenciário ficará em torno de 8,5% do PIB. Esse é o impacto fiscal da reforma. No caso do FGTS [liberação dos recursos], haverá, no curto prazo, uma injeção de R$ 28 bilhões neste ano e mais R$ 12 bilhões em 2020. No caso do PIS/Pasep, serão R$ 22,7 bilhões para 11,7 milhões de cotistas. Com isso, haverá um impacto do lado da demanda e também do lado da oferta, pois serão melhorados os critérios de rotatividade e de aprendizagem do trabalhado.

Não haverá mais incentivo para que ele force sua demissão para sacar os recursos do FGTS. É uma medida estrutural do lado da oferta, que é o mais impactante. As medidas permitirão aumento de 0,35 ponto percentual do PIB nos próximos 12 meses. A redução da Selic para 6% ao ano abre vários canais que são importantes para o crescimento. Um, é o volume de crédito. Dois, é o custo do crédito. Terceiro, a sinalização que essa taxa básica terá sobre as demais taxas de juros da economia. Cada 0,5 ponto percentual de queda da Selic implica redução de R$ 28 bilhões no pagamento de juros da dívida pública bruta. Esse é o efeito direto na relação dívida/PIB.

Outro indicador importante é o CDS (credit default swap), que atingiu o menor patamar nos últimos cinco anos. Ele está em 122, mesmo patamar do México, que é investment grade (grau de investimento). Estamos com emissões de títulos públicos em taxas mais baixas dos últimos cinco anos, em 7,12% ao ano. Entendemos que há ambiente promissor para emissão soberana (títulos no Tesouro colocado no exterior). Se e quando, ainda será analisada. Temos um conjunto de medidas que apontam, tanto interna como externamente, para condições de melhora substancial do crescimento do PIB, e de forma estrutural.

Reduzir o spread - Uma política de redução do spread bancário será feita neste segundo semestre, de forma intensa. As funções atinentes ao Banco Central serão por ele exercidas, mas também existem medidas de política econômica que melhoram o crédito. Nós segmentamos todos os componentes do spread, tanto do ponto de vista conceitual como do ponto de vista empírico.

"Na nossa estratégia, a política fiscal ocupa a primeira posição. E a primeira questão é a Previdência"

Fizemos estudos econométricos que mostram como o spread é constituído. Temos elementos tributários e elementos de concentração bancária. Medidas podem contemplar esta área, mas com bastante zelo, respeitando o campo de ação do Banco Central.

O governo quer que a redução dos juros chegue ao tomador final. Não é razoável que nós tenhamos no Brasil taxas de juros superiores a 300% ao ano. As medidas não serão postergadas. Elas serão anunciadas logo a frente.

Reduzir a dívida - Na nossa estratégia, a política fiscal ocupa a primeira posição. E, na área fiscal, a primeira questão é a Previdência. A segunda é a despesa com o pagamento de juros, que hoje corresponde a 5,9% do PIB. Ela não é primária, é financeira. Mas precisa ser atacada. Como ataco? De várias formas.

Uma delas é a antecipação do pagamento dos empréstimos feitos ao BNDES pelo Tesouro. Nós pedimos, para este ano, R$ 126 bilhões. Já foram devolvidos R$ 39,9 bilhões. O BNDES ainda tem R$ 170,9 bilhões a devolver. Quando isso acontecerá? O quanto antes, satisfeitas as condições de liquidez, solvência e governança do banco. Os nossos cálculos indicam que o dinheiro pode retornar ao Tesouro até 2022. De quem é a decisão? Da diretoria do banco.

Nova PEC sobre o FAT - Uma das diretrizes que seguimos é exatamente a de reduzir, em termos percentuais, a participação do crédito associado ao setor público. O BNDES tem um "funding" muito ligado ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Nós entendemos que haverá uma reformatação nessa linha.

O FAT não seguirá no formato de hoje, com os recursos dele repassados ao BNDES. Vamos propor essa mudança por PEC. Mas só faremos após análise em conjunto com a diretoria do BNDES sobre liquidez, solvência e governança do banco. O papel do BNDES está associado ao financiamento de Estados e municípios, saneamento e privatização. O próprio presidente do banco já disse isso.

São áreas estratégicas que permitem ao BNDES, quando focado nelas, ter um desembolso por ano da ordem de R$ 69 bilhões, R$ 70 bilhões ou menos. Certamente não teremos o BNDES com desembolsos acima de R$ 100 bilhões, muito menos acima de R$ 200 bilhões como já aconteceu no passado. Por PEC que contemple esse tema.

Papel dos bancos públicos - Nós temos reuniões com os presidentes dos três maiores bancos públicos (Caixa, Banco do Brasil e BNDES), em que se discute uma política creditícia, em que se discute o papel mais adequado para essas instituições, bem como uma forma coordenada para que seja uma situação de ganha-ganha. Ganham os bancos, ganha a União e ganha a sociedade. Discutimos, por exemplo, o tratamento em relação aos chamados instrumentos híbridos de capital (empréstimos feitos pela União aos bancos), que somam hoje R$ 87 bilhões. A Caixa já devolveu R$ 3 bilhões. No total são cinco bancos, com treze contratos. A Caixa tem seis, o BNDES tem quatro, o BB tem um, o Banco do Nordeste (BNB) e Banco da Amazônia (Basa) têm um. A grosso modo, R$ 41 bilhões, R$ 42 bilhões são da Caixa, R$ 36 bilhões, do BNDES, R$ 8,1 bilhões, do BB, R$ 1 bilhão, do Basa, e R$ 1 bilhão, do BNB. A Caixa atuou sobre um contrato e nos devolveu R$ 3 bilhões, em uma situação muito boa para o banco, pois esse era um capital muito caro para ela. A ideia não é repassar os 13 contratos para a União. Os contratos são de perpetuidade, não têm tempo para retornarem à União. Estamos analisando caso a caso. Sabemos que existem casos mais rígidos, mais difíceis, como o do BB, mas existem casos em que haverá ganhos para todos.

Fundos constitucionais - O "funding" dos três fundos constitucionais (do Centro Oeste, do Norte e do Nordeste) está associado à arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados. Hoje, os fundos constitucionais repassam os recursos aos bancos que são os agentes operadores. Os bancos têm a função de selecionar os projetos e acompanhar a execução. Com isso, os recursos têm impacto na política de desenvolvimento regional. Mas, ponto um: nós não entendemos que a melhor política de desenvolvimento regional é essa de escolha direta. Entendemos que a melhor política é aquela horizontalizada. Criam-se as condições e o mercado resolve.

"Eletrobrás é um caso que nos dá conforto de que a privatização pode sim ser realizada ainda neste ano"

O mercado é bastante eficiente na alocação de recursos. A nossa intenção é que os recursos cheguem direto ao Estado, direto ao governador e não via banco. Portanto, uma parte considerável desses fundos, o fluxo é da ordem de R$ 13 bilhões/ano, seja repassado diretamente aos governadores. É uma política que é coerente com a diretriz mais abrangente de descentralização dos recursos da União para os entes subnacionais.

O governo do Estado passará a ter gerência sobre os recursos. O tipo de condicionalidade a ser colocada ainda está em análise, assim como o impacto fiscal associado a este processo. Mas a diretriz é clara. Nós iremos descentralizar tanto a alocação dos recursos e, mais intensamente, a decisão.

Redução no número de fundos - Vamos propor a reformulação dos fundos públicos. Em primeiro lugar, exigir que qualquer novo fundo só seja criado por proposta de emenda constitucional (PEC). Atualmente, existem 261 fundos e apenas 93 deles são ativos. Eles são de diversas classes. Existem fundos contábeis, financeiros, outros que não têm nome de fundos, como é o caso do Proagro, por exemplo, outros parafiscais, como é o caso do FGTS e constitucionais. E até alguns com nome de fundo, mas que não são fundos. A ideia é reorganizar tudo isso e reduzir intensamente.

Três estão no foco. O FGTS, que foi objeto de medidas já adotadas pelo governo, mas que não serão as últimas para ele. Até 2022 pretendemos fazer outras mudanças no FGTS. Temos o FI-FGTS, com cerca de R$ 33 bilhões, que precisa ser retrabalhado. Não só porque é uma fonte de financiamento para o próprio FGTS, mas também porque esteve associado à má alocação de recursos e, inclusive, corrupção. O segundo fundo é o FAT. O terceiro é o FCVS. A grande maioria deles não tem efeito primário.

Não serão alterações que trarão impacto no resultado primário. A ideia é promover, em primeiro lugar, uma melhor alocação dos recursos públicos. Nós não nos preocupamos apenas com o resultado primário. Trabalhamos com o resultado nominal, com o mesmo zelo com que nos preocupamos com o primário. Tratamos desse tema dos fundos com uma visão mais ampla, dos fluxos financeiros. Uma das nossas metas é reduzir substancialmente a necessidade de financiamento do setor público (NFSP) para qual uma reorganização dos fundos contribui fortemente.

Ministérios em estresse fiscal - Temos hoje 13 ministérios em situação de "estresse fiscal" grande. Uma situação herdada de governos anteriores. Estamos a seis meses resolvendo esse problema. Uma das grandes ações que a secretaria de Fazenda fez foi permitir que a máquina pública andasse, com que a União tocasse a vida sem um único solavanco. É uma ação parecida com a de um bom juiz de futebol, que não é notado e o jogo segue.

Temos um orçamento primário de R$ 1,4 trilhão. Nós começamos o ano com R$ 126 bilhões de reais de despesas discricionárias. Depois dos contingenciamentos realizados, elas estão em R$ 84 bilhões mais as emendas impositivas dos parlamentares. Neste ano, a receita da União veio abaixo do previsto no Orçamento e, por isso, tivemos que fazer o contingenciamento. O dinheiro do leilão do excedente da cessão onerosa pode mudar a situação. A nossa estimativa é que os recursos entrarão nos cofres do Tesouro até o final deste ano. Nós teremos o quarto relatório de avaliação de receitas e despesas a ser divulgado no dia 22 de setembro e o quinto no dia 22 de novembro. Se, nesse período, nós tivermos informações sólidas de que o leilão será realizado e de que o pagamento do bônus de assinatura será feito, o valor será incorporado ao Orçamento e faremos o descontingenciamento (até agora, mais de R$ 30 bilhões foram bloqueadas). É improvável que isso ocorra no relatório de setembro. Em novembro, é uma possibilidade. A União receberá, liquidamente, R$ 52 bilhões.

Estamos tendo reuniões nas várias instâncias do TCU sobre essa questão. Com o presidente, os ministros, o ministro relator (do processo sobre a cessão onerosa e o leilão), com a secretaria do Tribunal encarregada da análise do tema, com a secretaria de macro avaliação. Respondendo a todas as questões que estão sendo apresentadas. Entendemos que o TCU é totalmente convergente conosco na possibilidade de realização desse leilão ainda neste ano. Se a decisão do TCU não sair a tempo para a realização do leilão no dia 6 de novembro, temos outras medidas que permitem que a meta de déficit primário de R$ 139 bilhões do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) neste ano seja cumprida. Ela será atingida.

Metas fiscais - Em conversas com os presidentes Rodrigo Maia [Câmara] e Davi Alcolumbre [Senado], estamos negociando a PEC do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), que tem elementos muito bem-postos. São negociações que estão sendo feitas há alguns anos. Entendemos que o princípio da regra de ouro é muito bem vindo. Ou seja, que o endividamento só seja feito para fins de investimento. Isto deve ser preservado. A forma como a regra é implementada é que precisa ser reestruturada. E trazer também uma previsibilidade ao longo dos anos. Queremos um aperfeiçoamento da "regra de ouro". O governo considera que é importante ter um regramento bem feito para a política fiscal, à semelhança da nossa política de metas para a inflação, que produz bons resultados. O teto de gastos é uma medida inteiramente defendida por este governo. Entendemos que foi uma medida necessária e que trouxe ganhos. Ele já reduziu as despesas da União de 19,7% do PIB para 19,2% do PIB neste ano. O atendimento à "regra de ouro", análise do teto de gastos e de outras medidas de regramento fiscal estão sendo pensadas, em comum acordo com o Congresso Nacional. Achamos que podemos aprovar o aperfeiçoamento da regra de ouro já neste ano.

Eletrobras - Nossa intenção, em acordo com o Ministério de Minas e Energia, é ter as condições para a privatização da Eletrobras neste ano. É claro que precisaremos de consenso com o Congresso Nacional. O modelo de descotização é extremamente importante e ele terá impacto positivo sobre o sistema de geração, distribuição e transmissão de energia elétrica.

A Eletrobras é um caso que nos dá conforto de que a privatização pode sim ser realizada neste ano. Requer diálogo com o Congresso. Há duas alternativas. Seguir com o substitutivo de um projeto que já tramita no Congresso. Ou enviar um novo projeto. Nos dois casos, é um acordo do Executivo com o Congresso. A negociação sobre isso está em andamento junto aos presidentes Alcolumbre e Maia.