Valor Econômico, v. 20, n. 4806, 02/08/2019. Política, p. A10

STF derrota governo e mantém demarcação de terras com Funai

 Luísa Martins



Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu manter com a Fundação Nacional do Índio (Funai) a atribuição para a demarcação de terras indígenas. Essa foi a segunda derrota na Corte para o presidente Jair Bolsonaro, que buscava que a atividade fosse desempenhada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

Em maio, ao analisar a reforma administrativa proposta pelo governo, o Congresso Nacional derrubou o trecho que previa a demarcação como responsabilidade do Mapa, devolvendo-a ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, ao qual está vinculada a Funai. Insatisfeito com o resultado no Legislativo, Bolsonaro reeditou medida provisória (MP) para insistir na competência da pasta da Agricultura.

A MP foi suspensa em junho pelo ministro Luís Roberto Barroso, atendendo a pedidos formulados pelos partidos Rede, PT e PDT em ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs). Na prática, a decisão fez com que a demarcação de terras indígenas voltasse ao escopo da Funai.

Barroso considerou que a medida desrespeitou o processo legislativo previsto na Constituição Federal, já que foi elaborada com o mesmo teor da que foi derrubada anteriormente no Congresso. Segundo o relator, há jurisprudência pacífica do STF que proíbe esse tipo de prática.

Ontem, no primeiro processo analisado pelo plenário no retorno do recesso, os dez ministros presentes na sessão referendaram a liminar de Barroso. Só estava ausente da sessão o ministro Alexandre de Moraes.

Todos eles entenderam que Bolsonaro violou o princípio da separação de poderes. A ministra Cármen Lúcia chegou a falar em "agressiva inconstitucionalidade", mas o voto mais duro foi o do decano, ministro Celso de Mello, para quem a MP presidencial demonstrou autoritarismo.

Segundo o decano, a iniciativa de Bolsonaro "traduz uma clara, inaceitável, inadmissível e perigosa transgressão" à Constituição. O ministro afirmou que a MP, ao minimizar as decisões legislativas, "deforma" o princípio da separação de poderes.

"O regime de governo e as liberdades da sociedade civil muitas vezes expõem-se a um processo de quase imperceptível erosão, destruindo-se lenta e progressivamente pela ação ousada e atrevida, quando não usurpadora, dos poderes estatais, impulsionados muitas vezes pela busca autoritária de maior domínio e controle hegemônico sobre o aparelho de Estado e sobre os direitos e garantias básicos do cidadão", criticou.

Bolsonaro já havia sido derrotado no Supremo em junho, quando a Corte impôs - também por unanimidade - limites para a extinção de conselhos da administração pública federal. Os ministros determinaram, naquele julgamento, que o governo não poderia acabar com colegiados que tenham sido criados por lei.

O argumento também foi o da interferência indevida do Poder Executivo no Poder Legislativo. Bolsonaro assinou decreto segundo o qual mesmo os conselhos mencionados em lei pudessem ser abolidos. Contudo, os ministros entenderam que o governo não pode interferir em decisões tomadas pelo Congresso.

A decisão preservou, por exemplo, colegiados voltados a políticas de igualdade racial, de direitos LGBT e de direitos da criança e do adolescente.