O Estado de São Paulo, n. 46822, 27/12/2021. Internacional p.A10

 

Morre um dos últimos heróis da luta contra o apartheid

 

O clérigo Desmond Tutu, que usou seu púlpito e oratória para ajudar a derrubar o apartheid na África do Sul e depois se tornou o principal defensor da reconciliação pacífica sob o governo da maioria negra, morreu na madrugada de ontem, aos 90 anos, na Cidade do Cabo. O dia de ontem foi marcado por homenagens, mas seu funeral será dia 1.º de janeiro.

O arcebispo morreu em razão de um câncer e estava em um centro de saúde, informou a Desmond e Leah Tutu Legacy Foundation. Ele foi diagnosticado pela primeira vez com câncer de próstata em 1997 e foi hospitalizado várias vezes nos anos seguintes, em meio a temores de que a doença tivesse se espalhado.

Tutu liderou a igreja na vanguarda da luta de décadas dos sul-africanos negros pela liberdade. Sua voz foi uma força poderosa para a não violência no movimento anti-apartheid, que lhe valeu o Prêmio Nobel da Paz em 1984.

O presidente americano, Joe Biden, lamentou a morte de Tutu, disse que seu "coração estava partido" e elogiou a coragem do sul-africano.

Quando o movimento antiapartheid triunfou no início dos anos 90, Tutu incitou o país a um novo relacionamento entre seus cidadãos brancos e negros e, como presidente da Comissão de Verdade e Reconciliação, ele reuniu testemunhos que documentam a crueldade do apartheid. Sua credibilidade foi crucial para os esforços da comissão para fazer com que ex-membros das forças de segurança sul-africanas e ex-guerrilheiros cooperassem com o inquérito.

O arcebispo Tutu pregou que a política de apartheid era tão desumanizante para os opressores quanto para os oprimidos. Em seu país, ele lutou contra a violência crescente e procurou transpor o abismo entre o negro e o branco; no exterior, ele pediu sanções econômicas contra o governo sul-africano para forçar uma mudança de política.

 

Críticas. Tutu demonstrou igual desaprovação de figuras importantes no Congresso Nacional Africano (CNA), que chegou ao poder sob Nelson Mandela nas primeiras eleições totalmente democráticas em 1994. Em 2004, o arcebispo acusou o presidente Thabo Mbeki, sucessor de Mandela, de seguir políticas que enriqueceram uma pequena elite enquanto muitos do povo sulafricano viviam uma "pobreza extenuante, humilhante e desumanizante".

Em 2011, quando os críticos acusaram o CNA de corrupção e má gestão, o arcebispo Tutu voltou a atacar o governo, desta vez em termos que antes seriam inimagináveis. "Este governo é pior do que o governo do apartheid".

Desmond Mpilo Tutu nasceu em 7 de outubro de 1931. Sua mãe, Aletha, era empregada doméstica; seu pai, Zachariah, ensinava em uma escola metodista. Embora nunca tenha esquecido a vergonha do pai quando um policial branco o chamou de "moleque" na frente de seu filho, ele ficou ainda mais afetado quando um homem branco com uma túnica de padre tirou o chapéu para sua mãe, disse ele.