Título: Berzoini foi refundado
Autor: AUGUSTO NUNES
Fonte: Jornal do Brasil, 29/09/2005, País, p. A2

O Ricardo Berzoini sindicalista, líder dos bancários de São Paulo, vociferava contra todos os partidos e governos. O Berzoini deputado pelo PT criticava todos os outros partidos e cobria de denúncias o governo do satânico FH. O Berzoini ministro - primeiro da Previdência Social, depois do Trabalho - conheceu as duas faces do poder. Mandar é muito bom. Ruim é virar alvo da artilharia inimiga. Em seus tempos de estilingue, Berzoini não fazia pausas na discurseira agressiva. Sempre maltratou o português com a mesma naturalidade fluente do Grande Mestre. Transformado em vidraça, o Brasil descobriu o Berzoini gaguejante, confuso, sobretudo quando impelido a explicar o inexplicável. O ministro sempre se complicava quando convidado a justificar as filas amazônicas nos postos da Previdência, ou o fracasso do programa Primeiro Emprego.

Na semana passada, desfilou nos jornais a versão primavera-2005 de Ricardo Berzoini. Fruto da fusão dos papéis que encarnou, não foi inteiramente esculpido. Faltam retoques essenciais. Mas já se pôde perceber que vem aí mais um rematado trapalhão.

Candidato do Campo Majoritário à presidência do PT, venceu com folga o primeiro turno e largou como favorito na corrida derradeira. Simultaneamente, tem de distribuir ataques à esquerda, endereçados a adversários internos, e à direita, para bloquear o "complô das elites", forjado para explodir a estrela vermelha.

Defende o governo Lula, mas evita endossar a política econômica que sempre condenou. Admite que o partido cometeu erros e pecados, mas amontoa argumentos para absolver companheiros envolvidos em grossas pilantragens. Na forma e no conteúdo, o Berzoini refundado pela crise é bem pior que os anteriores.

Ele acaba de avisar que os bandidos de estimação não serão punidos pelo PT: nenhum deles será suspenso ou expulso - mesmo se castigados pela Câmara e condenados em tribunais.

Como assim, companheiro? "A Justiça apura a legalidade ou ilegalidade, o partido apura quebra de decoro ou de ética partidária", embaralhou-se Berzoini na terça-feira. "E não vamos confundir uma questão de ilegalidade com a situação partidária, examinada através de fóruns próprios do partido". Pobre português. Pobre PT.

O espancamento da lógica (e do idioma) não parou por aí. Entre os "fóruns próprios do partido", esclareceu, figuram as eleições caseiras. No primeiro turno, portanto, as urnas petistas julgaram os acusados. "Nesse julgamento político, em vários locais, houve decisão dos filiados de dar um crédito de confiança, no caso de algumas cidades", enrolou-se, invocando o exemplo de Osasco.

Ali, um diminuto rebanho de militantes elegeu para o comando do diretório municipal uma protegida do deputado João Paulo Cunha. Tal resultado informa que o bravo filho da cidade foi absolvido pelo júri petista. O colarinho de Cunha exibe respingos de lama avaliados em montanhas de reais. Confessadamente, o deputado molhou as mãos com R$ 50 mil jorrados do valerioduto. Nessa conta não entraram as milionárias gorjetas que o presidente da Câmara ganhou pelos contratos celebrados com o maleiro Marcos Valério.

Para Berzoini, nada de grave se apurou em 111 dias de crise. "Não há qualquer prova contra os petistas acusados de corrupção", proclamou na mesma terça-feira. "Há assunção de caixa 2, o que é ilegalidade, mas não corrupção". No Brasil de Berzoini, o imenso Pântano do Planalto é só miragem. Ocorreram apenas pecados veniais. Coisa que se resolve com três ave-marias, dois padre-nossos e o amém ao Grande Mestre.

Com Berzoini na chefia, o PT poderá tornar-se o primeiro partido do Brasil a morrer de cinismo.