Valor Econômico, v. 20, n. 4806, 02/08/2019. Política, p. A11

Moro deve seguir na defensiva no Congresso

Andrea Jubé



O pacote anticorrupção do ministro da Justiça, Sergio Moro, é uma das prioridades do governo na pauta do Congresso, mas ainda fica atrás das reformas da Previdência e tributária. A crise em torno do ministro, deflagrada pelo vazamento das conversas privadas no âmbito da Lava-Jato, agravou-se com a edição da Portaria 666 e com o massacre no presídio de Altamira, no Pará. Apesar da vitória com a prisão dos suspeitos de invasão do seu celular e de mais de mil autoridades, Moro seguirá na defensiva no Congresso, com a retomada dos trabalhos na próxima semana.

Mesmo com o cenário adverso, Moro vai tentar impulsionar o projeto, que continua estacionado em um grupo de trabalhos na Câmara. Hoje o ministro deveria receber o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para um café da manhã no Ministério da Justiça a fim de discutir o tema, mas o encontro foi cancelado ontem à noite. Na terça-feira, Maia reuniu-se com o presidente Jair Bolsonaro e deliberou-se que as prioridades seriam as reformas da Previdência e tributária.

A oposição reúne-se na segunda-feira em Brasília para articular a ofensiva contra Moro. A ideia é apresentar requerimento de convocação em uma das comissões temáticas para que o ministro dê explicações sobre a Portaria 666, que prevê a deportação sumária de "pessoa perigosa ou que tenha praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição".

Na oportunidade, Moro também poderá ser questionado sobre a chacina no presídio em Altamira, sudoeste do Pará, que culminou na morte de 58 detentos, bem como sobre a nova leva de diálogos vazados entre procuradores da força-tarefa da Lava-Jato.

Num primeiro momento os esforços voltam-se para sustar a portaria, por meio da votação do projeto de decreto legislativo do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). A avaliação de líderes da oposição e do Centrão é de que a norma representa uma ameaça velada ao jornalista Glenn Greenwald, do site "The Intercept Brasil", responsável por revelar os diálogos entre o ministro, o procurador Deltan Dallagnol e outros procuradores da força-tarefa. Se houver adesão da maioria dos líderes, a proposta pode ser levada ao plenário ainda neste mês.

"Moro terá vida difícil no Congresso neste semestre", diz um líder da oposição, em condição de anonimato. Segundo esta liderança, a portaria repercutiu mal no Legislativo porque a liberdade de imprensa é considerada pelos parlamentares como um dos bens mais valiosos da democracia, e como tal não poderia ser ameaçada.

Responsável pela política nacional de segurança pública, Moro também deverá ser cobrado a prestar esclarecimentos sobre o massacre de presos em Altamira. Na segunda-feira, 58 detentos foram assassinados durante um confronto entre facções criminosas; 16 foram decapitados. Foi o segundo maior massacre em presídios após o Carandiru em 1992, quando 111 detentos foram mortos.

Em outra frente, líderes da oposição e do Centrão pressionarão pela instalação da comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) das "fake news", que também investigará os crimes cibernéticos. A ideia é explorar a nova leva de mensagens divulgadas e a prisão dos suspeitos de invasão dos celulares no âmbito desse colegiado.

Nessa conjuntura de crise, líderes da oposição e do Centrão não acreditam que o pacote anticrime de Moro deslanche. Nos primeiros seis meses, a matéria foi tratada em um grupo de trabalho coordenado pela deputada Margarete Coelho (PP-PI), que a analisa em conjunto com outras propostas formuladas por um comissão de juristas convidados pela Presidência da Câmara.

Em uma primeira deliberação polêmica, o colegiado decidiu que a normatização da prisão em segunda instância deve ser feita por proposta de emenda constitucional (PEC), e não por projeto de lei. Caberá a Rodrigo Maia numa etapa seguinte criar uma comissão especial para votação das propostas.