Correio Braziliense, n. 21710, 25/08/2022. Política, p. 3

“Cadê a turminha da carta?”

Ingrid Soares


A operação da Polícia Federal contra empresários bolsonaristas favoráveis a um golpe de Estado em caso de vitória de Luiz Inácio Lula da Silva provocou reações do presidente da República e de integrantes da Procuradoria-Geral da República.  

Durante ato de campanha em Betim (MG), o candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) comentou a ofensiva da PF. Em tom de ironia, ele questionou onde estão os signatários da “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito”. O documento, divulgado em 11 de agosto, é um manifesto em favor do sistema eleitoral e da democracia.

“Somos ainda um país livre. E eu pergunto a vocês: o que aconteceu no tocante aos empresários agora? Esses oito empresários. Eu tenho contato com dois deles: Luciano Hang e o Meyer Nigri. Cadê aquela turminha da carta pela democracia? A gente sabe que, em época de campanha, continuam lobos em pele de cordeiro. Acreditar que eles são democratas e nós não somos? Cadê a turminha da carta pela democracia?”, disse durante encontro com prefeitos e líderes evangélicos em Betim, Minas Gerais.

A operação foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, que há uma semana foi empossado como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele deferiu a petição do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) sobre os empresários bolsonaristas, que defenderam um golpe de Estado caso Lula vença a corrida presidencial.

Entre os alvos estão Luciano Hang, da Havan; José Isaac Peres, da rede de shopping Multiplan; Ivan Wrobel, da Construtora W3; José Koury, do Barra World Shopping; André Tissot, do Grupo Sierra; Meyer Nigri, da Tecnisa; Marco Aurélio Raymundo, da Mormaii; e Afrânio Barreira, do Grupo Coco Bambu.

O vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos), candidato a senador no Rio Grande do Sul, também criticou o episódio. “A ação do Ministro Alexandre de Moraes contra empresários brasileiros é lamentável. Num momento vital para o país, próximo à eleição, não posso concordar com mais essa atitude autoritária e ilegal”, escreveu  nas redes sociais.

Os filhos do presidente da República, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), também reagiram. Eduardo disse que o objetivo era “intimidar posicionamentos políticos” a favor do chefe do Executivo.

“PF em casa devido a mensagens de zap?! Qual crime? É operação claramente para intimidar qualquer figura notória de se posicionar politicamente a favor de Bolsonaro ou contra a esquerda. Isto é um ataque à democracia em plena campanha eleitoral. Censura. Não há outra palavra!”, publicou nas redes sociais.

Flávio, por sua vez, caracterizou as mensagens como sendo uma “conversa privada no WhatsApp” e definiu a operação como “insana”. “É insano determinar busca e apreensão sobre empresários honestos, que geram milhares de empregos, alguns conhecidos de ministros do STF (que sabidamente jamais tramariam “golpe” nenhum) por dizerem que preferem qualquer coisa ao ex-presidiário, numa conversa privada de WhatsApp”.

As reações à operação da PF não ficaram restritas a Bolsonaro e apoiadores diretos. A vice-procuradora-geral da República, Lindôra Maria Araújo, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) acesso ao conteúdo da investigação. A vice-PGR afirmou que o órgão não tem conhecimento do teor integral da apuração.

Na petição enviada ao ministro Alexandre de Moraes, Lindôra Araújo faz críticas aos procedimentos adotados pois, segundo ela, o órgão não foi notificado com antecedência sobre a ação policial. 

“É absolutamente inviável que medidas cautelares restritivas de direitos fundamentais, que não constituem um fim em si mesmas, sejam decretadas sem prévio pedido e mesmo sem oitiva do Ministério Público Federal. Ora, é o Parquet quem deve verificar a necessidade/utilidade das medidas cautelares, aferindo-o sob uma ótica de viabilidade para a persecução penal”, escreveu Araújo.

No entanto, Moraes tornou público um documento assinado por um servidor do STF destacando que a PGR informou ter sido avisada um dia antes do cumprimento dos mandados de busca e apreensão.

Lindôra argumentou, ainda, que não há nenhuma autoridade com foro privilegiado que justifique a tramitação deste caso no STF.

No inquérito sobre os empresários, chama a atenção a relação entre o procurador-geral da República, Augusto Aras, e os investigados. Aras trocou conversas com os empresários por meio do WhatsApp. O conteúdo foi obtido pela Polícia Federal e será colocado à disposição do STF.

Em nota, a assessoria de Aras disse que o procurador-geral tem amigos no mundo empresarial e, por isso, há trocas de mensagens entre eles. O comunicado afirmou ainda que as conversas do PGR são apenas comentários “superficiais”.

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