Valor Econômico, v. 20, n. 4807, 03/08/2019. Brasil, p. A2
Além das reformas e da retomada da economia
Sergio Lamucci
O avanço da reforma da Previdência no Congresso é sem dúvida positivo para a economia, contribuindo para reduzir as dúvidas em relação ao equilíbrio das contas públicas no longo prazo. Com menos incertezas quanto à situação fiscal do país, empresas tendem a investir mais e o Banco Central (BC) tem mais segurança para cortar os juros básicos. O cenário para a atividade econômica nos próximos meses se torna mais favorável, ainda que a recuperação deva ser gradual.
Depois de uma recessão que durou quase três anos e de uma recuperação lenta, a volta de um ritmo de crescimento um pouco mais forte será mais do que bem -vinda, num país com 12% de desemprego, o equivalente a 12,8 milhões de pessoas. A perspectiva de que a agenda de concessões de infraestrutura e de privatizações ganhe fôlego também é importante para a economia avançar com mais firmeza, assim como a promoção de uma agenda de reformas constitucionais e outras medidas para melhorar a produtividade e consolidar o ajuste das contas públicas.
No entanto, concentrar a atenção somente no avanço das reformas e na possível retomada da atividade é miopia. Há várias áreas em que as ações do governo são preocupantes, com grande potencial de provocar estragos, inclusive com o risco de afetar negativamente o crescimento. É o caso evidente das políticas da gestão de Jair Bolsonaro para o ambiente e a educação - e estão longe de ser as únicas.
Ações do governo no ambiente e na educação preocupam
O exemplo mais gritante é a política ambiental. As ações do governo Bolsonaro causam grande preocupação entre os especialistas. A resposta à ampliação do ritmo de desmatamento foi questionar os números do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), numa crise que levou à exoneração do diretor do órgão, Ricardo Galvão. Em sete meses, houve também a liberação frenética de agrotóxicos e a polêmica criada pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sobre o Fundo Amazônia, voltado à iniciativas de preservação ambiental com dinheiro doado pelos governos da Noruega e da Alemanha.
Além de danos graves ao ambiente, essas políticas podem causar outros problemas para o Brasil. Dada a orientação do governo Bolsonaro para a área, os parlamentos de alguns países europeus podem não ratificar o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia (UE), fechado em junho. Um trunfo importante da administração atual, ainda que também tenha sido construído ao longo dos últimos 20 anos, o acerto com a UE corre riscos por causa da visão do presidente sobre a questão ambiental. Há também a ameaça de as exportações brasileiras serem prejudicadas, num mundo em que o respeito ao ambiente é cada vez mais uma exigência de países e empresas.
Na educação, o cenário é desanimador. Primeiro, houve a escolha de um ministro totalmente inoperante. Ricardo Vélez promoveu seguidas mudanças em cargos-chave, perdendo um tempo precioso. Em abril, Vélez foi trocado por Abraham Weintraub. O novo titular da pasta tem sido menos errático na condução do ministério, mas também se envolveu em polêmicas desnecessárias e contraproducentes, como ao dizer que cortaria verbas de universidades federais que estivessem promovendo "balbúrdia" e que filmar professores é direito dos alunos.
Para além desse tipo de controvérsia, a condução das políticas da pasta é problemática. Ao analisar o "Compromisso nacional pela educação básica", apresentado pelo ministério no começo do mês passado, o diretor de políticas educacionais do movimento Todos pela Educação, Olavo Nogueira Filho, vê alguns pontos positivos na iniciativa, mas destaca a presença de várias fragilidades.
Entre os aspectos positivos, ele aponta o fato de a Secretaria de Educação Básica (SEB) ter buscado estabelecer o diálogo com os secretários estaduais e os dirigentes municipais da educação. Outra boa notícia, segundo Nogueira, é o plano ter como referência "o conhecimento acumulado e produzido pela sociedade civil", enfatizando a importância da educação infantil e a necessidade de enfrentar os desafios relacionados à carreira e à formação dos professores. Além disso, diz ele, a proposta reforça a continuidade de políticas relevantes, como o apoio à implementação da Base Nacional Comum Curricular e do novo ensino médio e a política de expansão de escolas em tempo integral.
O plano, contudo, tem vários pontos negativos, na visão de Nogueira. Ele ressalta quatro principais fragilidades. A primeira é que, depois de sete meses de governo, a proposta ainda não traz medidas concretas, apenas diretrizes gerais para a educação básica. Outro problema é que ela "insiste em algumas políticas que pouco dialogam com os principais desafios atuais e tampouco possuem evidências de impacto em larga escala, como a expansão das escolas em modelo cívico-militar", diz Nogueira.
Em terceiro lugar, o plano não trata do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) e da alfabetização, por não estarem sob responsabilidade da SEB, sendo conduzidas por outras instâncias do ministério. "Mas esses são aspectos centrais para a educação básica e que, portanto, precisam estar muito bem articulados ao plano maior. A ausência de sinalização nesse sentido preocupa." Por fim, Nogueira destaca que a iniciativa "não aborda questões centrais para melhorar a governança entre União, Estados e municípios", não ficando claro quais são os papéis e as responsabilidade de cada uma das três esferas de governo.
São questões preocupantes para um governo que diz ter como prioridade a educação básica (que engloba a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio). Se o país não avançar na educação, será difícil melhorar a produtividade, o que é indispensável para a economia crescer a taxas mais elevadas de modo sustentado.
Sem reformas amplas que garantam a sustentabilidade das contas públicas e elevem a produtividade da economia, o crescimento sustentado não virá. É um erro, contudo, centrar a avaliação das ações do governo apenas no andamento de propostas de mudança constitucional e na perspectiva de retomada mais forte da atividade, ignorando iniciativas problemáticas em áreas como ambiente e educação, que poderão prejudicar em algum momento a própria capacidade de expansão da economia. É uma miopia que poderá custar caro.