Valor Econômico, v. 20, n. 4807, 03/08/2019. Política, p. A6

Senado retorna sem Conselho de Ética

Vandson Lima 
Renan Truffi


O Senado retoma suas atividades na próxima semana sem que, durante um semestre inteiro, tenha sido instalado seu Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. A situação é inédita na história da Casa. Criado por resolução em 1993, o Conselho de Ética passou a funcionar em 1996. Durante os quatro mandatos de Renan Calheiros (MDB-AL) como presidente do Senado, virou posto político avançado, muitas vezes usado para a proteção de aliados e fator de pressão a adversários políticos.

Foi lá que, sob as gestões de José Sarney (MDB-AP) e Renan, o ex-senador João Alberto Souza (MDB-MA) permaneceu no comando do colegiado por 12 anos. Aécio Neves (PSDB-MG) se livrou de um processo por quebra de decoro, apesar das gravações em que pedia dinheiro ao empresário Joesley Batista. Já o ex-petista Delcídio do Amaral (MS), preso após ser acusado de obstrução de Justiça por tentar impedir o ex-diretor de Petrobras Nestor Cerveró de realizar delação premiada, foi cassado em 2016.

Mas a escolha de um novo presidente para o Conselho de Ética virou uma sinuca de bico para o atual presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). O PSL queria a vaga, preocupado com possíveis desdobramentos do caso Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) - investigado por possível participação na prática da "rachadinha", em que servidores devolvem parte dos salários aos parlamentares, quando foi deputado na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).

O nome escolhido pelo PSL parecia insuspeito: chamada de "Moro de saias", a Selma Arruda foi eleita senadora após se notabilizar por condenar, quando era juíza estadual, expoentes da política mato-grossense. Ela foi a responsável pela prisão do ex-governador Silval Barbosa (MDB), e do ex-presidente da Assembleia estadual, José Riva (PSD).

Só que, em abril, o Tribunal Regional Eleitoral local (TRE-MT), decidiu, por 7 votos a 0, cassar o mandato de Selma Arruda por caixa dois e abuso de poder econômico na eleição. A senadora recorreu, mas a condenação freou as tratativas em torno do seu nome.

Favorito de Alcolumbre, o senador Jayme Campos (DEM-MT) chegou a ser sondado se aceitaria a missão - e acenou positivamente. Campos conhece os meandros do Conselho de Ética. Foi vice-presidente por duas vezes, com João Alberto à frente. Mas a oficialização da indicação não caminhou. Do lado do PSL, a ordem é manter a indicação de Selma. Nos bastidores, entretanto, integrantes do partido admitem que a tendência é que Jayme Campos tenham preferência.

Um motivo que entra na conta para explicar a inexistência de um Conselho de Ética durante o primeiro semestre é a controversa eleição para Presidência do Senado. Há meses o Senado vinha adiando as conclusões de uma investigação sobre o chamado "voto 82", como ficou conhecido o episódio. Na ocasião, ao abrir a urna de votação, os senadores encontraram uma cédula a mais do que o número máximo de votos possível, mas até hoje não se sabe quem teria tentando fraudar o pleito.

O temor de alguns senadores é que o caso fosse parar no Conselho de Ética e, com isso, gerasse a perda de mandato de algum parlamentar. Sem o Conselho de Ética em funcionamento, nenhum senador conseguiu protocolar representações sobre o caso e a apuração sobre o voto 82 ficou restrita ao corregedor do Senado, senador Roberto Rocha (PSDB-MA). Recentemente, o tucano divulgou que a investigação foi inconclusiva, pois não é possível afirmar com segurança quem foi o senador que inseriu a cédula extra na urna.

Somado a outros problemas durante o semestre, o imbróglio em torno do Conselho de Ética aumenta a insatisfação de senadores que apoiaram Alcolumbre na eleição a presidente - nos bastidores, alguns já se dizem francamente arrependidos. Por duas vezes, ele barrou a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar membros do Poder Judiciário - a chamada CPI da Lava-Toga. Desde abril, mantém em sua gaveta um recurso sobre a CPI, impedindo tanto o arquivamento definitivo quanto um novo pedido.

Os senadores também reclamam que ele não analisou pedidos de impeachment contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), atrasou o trâmite de várias indicações do presidente Jair Bolsonaro a postos na diplomacia e órgãos reguladores, como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade)