O Globo, n. 32666, 13/01/2023. Opinião, p. 2

É bem-vindo o compromisso do novo governo em esclarecer caso Marielle



Um dos momentos marcantes da posse de Anielle Franco como ministra da Igualdade Racial, na quarta-feira, foi quando lembrou a morte da irmã, a vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), em 14 de março de 2018. O assassinato de Marielle e de seu motorista, Anderson Gomes, completará cinco anos sem que haja respostas adequadas. Ao assumir o cargo, no dia 2, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, disse que esclarecer o crime é “questão de honra” e defendeu a federalização das investigações, hoje a cargo do estado do Rio.

Cerca de um ano depois do crime, a Delegacia de Homicídios da Capital e o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) prenderam o sargento reformado da Polícia Militar Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio Vieira de Queiroz, apontados como executores de Marielle e Anderson. Segundo as investigações, Lessa foi responsável pelos disparos, enquanto Queiroz dirigiu o Cobalt que perseguiu o carro das vítimas. Eles foram denunciados pelo duplo assassinato e pela tentativa de homicídio de uma assessora da vereadora. Mantidos em presídios federais, ainda não foram julgados.

Não é a primeira vez que se cogita levar a apuração para Brasília. Em setembro de 2019, diante de tentativas de obstrução das investigações, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ ) a federalização do caso. Em maio de 2020, porém, ministros da Terceira Seção do STJ negaram por unanimidade o pedido. Entenderam que havia avanços na elucidação do crime, não existindo justificativa técnica para a mudança.

O esclarecimento do caso Marielle é um dos maiores desafios com que a polícia e o Ministério Público do Rio já se depararam. Falsas pistas, falsas testemunhas, eliminação de provas, interferências políticas, tudo contribuiu para dificultar as investigações. O mandante, seja lá quem for, encomendou o crime a matadores profissionais, com passagens pela polícia e larga experiência em ocultação de provas. As armas usadas pelos bandidos jamais foram encontradas — teriam sido jogadas no mar —, e o Cobalt utilizado na noite do crime desapareceu como num passe de mágica. Vários mandantes já foram apontados, mas nenhuma prova consistente foi apresentada contra eles.

O assassinato de Marielle e Anderson atingiu em cheio o Estado Democrático de Direito. Quinta mais votada para a Câmara do Rio, Marielle exercia um mandato outorgado pelo povo. Foi calada de forma brutal. Desvendar esse crime não é favor do Estado, é obrigação. Não só com a família das vítimas, mas com toda a sociedade brasileira. Não fazê-lo é capitular diante de criminosos que tentam impor um Estado paralelo sob a força das armas. É louvável a disposição do novo governo para esclarecer o caso. Mas não importa se o crime será apurado no Rio ou em Brasília, pela Polícia Civil ou Federal —esse deve ser um trabalho conjunto. O que importa é que seja apurado. E que, cinco anos depois, se possa responder a duas perguntas básicas: quem mando matar Marielle e Anderson e porquê.