Valor Econômico, v. 20, n. 4885, 22/11/2019. Finanças, p. C10

O preço da longevidade
Sigrid Guimarães


Dados mais recentes do IBGE apontam que uma pessoa nascida no Brasil em 2017 tinha expectativa de viver, em média, até os 76 anos. Isso representa um aumento de três meses e 11 dias a mais do que para uma pessoa nascida em 2016.

A expectativa de vida dos homens aumentou de 72,2 anos em 2016 para 72,5 anos em 2017, enquanto a das mulheres foi de 79,4 para 79,6 anos. Tratam-se de médias gerais. Se considerarmos os brasileiros de classe média alta, por exemplo, e que dispõem de recursos para cuidar da saúde com regularidade e tratamentos de ponta, é mais do que razoável igualarmos sua longevidade média à dos americanos ou dos japoneses - 80 anos e 86 anos, respectivamente.

Na verdade, com boa alimentação, médico, remédio, atividade física e uma genética razoável, chega-se aos 85-90 anos tranquilamente. Junto com a boa notícia vem os desafios com aposentadoria. Este tema é um dos grandes gargalos do nosso país.

Mas, antes de falar de aposentadoria em si, podemos falar de guardar dinheiro? Há inúmeras razões para poupar, além do temor de não poder se manter no futuro. Poupa-se também para realizar desejos próprios ou da família, para construir ou manter um legado para os filhos, para investir em um negócio, realizar sonhos, criar projetos e ter mais tempo para aproveitar a vida.

Contudo, a mais primária das razões para poupar é, de fato, o medo do futuro. Então, vamos começar por ela. Não por acaso, desde criança, ouvimos a fábula da cigarra e da formiga: enquanto a formiga passava o verão e a primavera catando folhas e armazenando comida, a cigarra ficava lá em cima da árvore cantando. Veio o inverno, acabaram-se as folhas, não havia mais o que comer e, como todo mundo sabe, a cigarra passou por dificuldades.

Claro que se a cigarra e a formiga tivessem morrido no outono, nenhuma das duas teria tido tempo para se arrepender e, talvez, nós pensássemos que a formiga havia feito um mau negócio desperdiçando tempo carregando folhinhas de um lado para o outro. No entanto, cada vez mais formigas e cigarras vivem mais invernos.

De volta à vida humana, vamos pensar nos brasileiros que vão viver até aproximadamente 80 anos. Suponhamos que essas pessoas comecem a trabalhar aos 20 e poucos anos e, após 35 anos de trabalho, estejam se aposentando, por volta dos 60 anos. Nesse caso, terão mais cerca de 20 anos para viver. Como se sustentarão?

Só vislumbramos quatro hipóteses: baixarão sensivelmente seu padrão de vida; serão sustentadas por alguém; cancelarão a aposentadoria e terão que trabalhar, no mesmo ritmo, até a morte, querendo ou não; ou viverão do que acumularam e terão mais liberdade para fazer escolhas nesse tempo de vida. Se não tiverem reprimido excessos de consumo e poupado, seja na forma de imóveis, terras, investimentos, o que for, fatalmente cairão em uma das três primeiras hipóteses, todas indesejáveis.

Você já parou para pensar quanto é necessário poupar para viver no mesmo padrão pelos próximos 20 anos? Se os 35 anos de trabalho (entre 25 e 60 anos) precisam, na verdade, sustentar 55 anos (35 de atividade obrigatória mais 20 a decorrer entre os 60 e os 80 anos), é necessário economizar o equivalente a mais da metade do obtido, aproximadamente 57%. Isto é, se você recebe mensalmente R$ 10 mil (líquidos), terá de poupar R$ 5.700.

Dito de outra forma: durante a fase de trabalho, algo próximo a sete meses da receita anual deveria ser poupado para sustentar outros sete meses do período posterior aos 60 anos. Ou seja, seria preciso viver cada ano com apenas 43% do obtido no período, o que, para a imensa maioria das pessoas, representaria uma abrupta queda do padrão de vida. Todo esse esforço, no entanto, ainda não bastaria. Seria, também, necessário acrescer à reserva o suficiente para compensar a desvalorização do poder de compra dos recursos economizados e o aumento de custos fixos durante a velhice, além das mudanças sociais que tendem a elevar necessidades de consumo.

Basta comparar as despesas básicas de uma família de classe média alta há 50 anos às despesas atuais de uma família do mesmo padrão. Hoje, há uma infinidade de bens de consumo antes inexistentes (como telefone celular e TV a cabo), além de gastos com lazer, viagens, educação, saúde e bem-estar. Desta forma, financiar a aposentadoria com a simples economia da remuneração mensal torna-se inviável. Por isso, não basta poupar - é preciso investir. Investir é empregar o dinheiro poupado em aplicações que rendam juros ou outras formas de ganho de capital. Há uma infinidade de opções: ações, debêntures, fundos de investimento, títulos públicos, CDBs, LCI (Letras de Crédito Imobiliário) etc., cada um com suas características e riscos.

Historicamente, o investidor brasileiro tem concentrado grande parte dos seus investimentos na categoria de renda fixa, um movimento natural reflexo da alta taxa de juros brasileira dos últimos 50 anos. Entretanto, é importante pontuar que a renda fixa hoje rende menos de 2% além da inflação, o que faria com que o investidor tivesse que poupar 50 vezes o seu custo anual hoje para acumular uma reserva capaz de gerar a renda necessária para manter o seu padrão de vida após a aposentadoria.

Por isso, uma opção é contar com o auxílio de um profissional especializado no assunto e ter uma carteira líquida, diversificada e eficiente, que poderá almejar rentabilidade próxima a 6% ao ano, além da inflação. Isso significaria a necessidade de uma poupança três vezes menor, o que torna-se muito mais viável para o investidor. Além disso, desconfie de promessas muito tentadoras e de ganhos exorbitantes a curto prazo.

Lembre-se: independentemente do volume do patrimônio, a motivação da poupança está sempre no futuro, seja a aposentadoria, a manutenção de várias gerações de uma família ou a perenidade de uma instituição. Quem poupa negocia entre o prazer presente e a segurança do futuro.

Sigrid Guimarães é sócia da Alocc Gestão Patrimonial

E-mail: sigrid@alocc.com.br

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