O Globo, n. 32667, 14/01/2023. Opinião, p. 2

Pacote de Haddad não resolve questão fiscal



O primeiro pacote de ajuste fiscal do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, teve pontos positivos e outros nem tanto. Ele acerta ao evidenciar que está preocupado com o déficit público, mas erra ao dar mais ênfase ao aumento de receita do que ao corte de despesas. Em resumo, não exime o governo de apresentar um robusto arcabouço para controlar o gasto público.

O governo começa com a difícil tarefa de fazer um ajuste fiscal. As despesas daUniãotêmficadoacimadasreceitas, e a consequência disso é o aumento do endividamento e a elevação das taxas de juros, o que encarece o crédito e os investimentos do setor privado e segura o crescimento da economia. Reverter essa situação é urgente.

Duas medidas apresentadas por Haddad merecem destaque positivo por serem duradouras. A primeira é a extinção do aproveitamento do ICMS nos créditos de impostos federais, uma regra que não fazia sentido. Em 2023, essa medida deverá render aos cofres públicos uma receita de aproximadamente R$ 30 bilhões. Num ano cheio, pode chegar a R$ 60 bilhões. A segunda é a promessa de reoneração do PIS/Cofins sobre combustíveis a partir de março, limitando parcialmente uma isenção descabida. Se confirmada, a volta da cobrança do PIS/Cofins deverá render R$ 25 bilhões neste ano, valor que subirá para R$ 32 bilhões em 2024. Tudo somado, o pacote deverá resultar num ganho perene de receita de R$ 92 bilhões em um ano cheio. As mudanças no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf ), que julga disputas tributárias, estão em outra categoria. Algumas são questionáveis e outras têm efeito incerto ou temporário. Foi anunciado o fim do desempate a favor dos contribuintes no Carf. Quando houver igualdade de votos nas decisões, o Fisco terá sempre razão, uma regra que deverá gerar contestação na Justiça. Pelo que foi anunciado na quinta-feira, o governo também criará o Programa Litígio Zero, numa tentativa de destravar, com descontos sobre débitos, parte dos cerca de R$ 1 trilhão parados no Carf. É difícil estimar o grau de adesão ao novo programa. Seus possíveis efeitos deverão se restringir ao curto prazo.

Nos cálculos mais otimistas do governo, o pacote levará a um aumento de receita neste ano de R$ 192,7 bilhões. Somando tímidos planos de cortes de gastos de R$ 50 bilhões, o impacto total, ainda segundo o governo, poderá ser de R$ 242,7 bilhões. Caso esses números se confirmem, o déficit de R$ 231,5 bilhões previsto para 2023 se transformará em superávit de R$ 11 bilhões. Embora o mercado tenha demonstrado aprovação ao pacote, poucos acreditam nas previsões mais exuberantes. Um déficit de R$ 100 bilhões neste ano é uma aposta mais realista. Seria um avanço, mas continuaria exigindo um ajuste fiscal gigantesco para estabilizar a dívida pública até o fim de Lula 3. Ainda se espera que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresente uma nova regra para conter o gasto. Quanto antes seguir por esse caminho, melhor. Sem demonstrações concretas de responsabilidade fiscal, é pouco provável que os juros entrem em tendência de queda.