O Globo, n. 32667, 14/01/2023. Opinião, p. 3
Todos contra as balas perdidas
Maria Isabel Couto
A equipe do Instituto Fogo Cruzado leu com entusiasmo editorial publicado no GLOBO na última quinta-feira, que, sem meias palavras, clamou: “País precisa de políticas para reduzir mortes de inocentes por balas perdidas”. O entusiasmo não se deu porque um dos nossos indicadores foi divulgado no jornal. Ele se deve ao fato de termos visto crescer as vozes em torno de uma demanda para a qual chamamos a atenção há anos: é preciso um alinhamento nacional em torno das políticas públicas de segurança. Não dá mais para acharmos que apenas os estados da Federação resolverão essa questão que atinge de maneira profunda o cotidiano de todos os brasileiros. Estamos falando de balas perdidas porque chegamos à marca de mil vítimas no Grande Rio. Mas poderíamos também falar de chacinas em operações policiais. Há cinco meses divulgamos um estudo similar: a marca de mil vítimas em chacinas policiais na Região Metropolitana. Todos os anos, publicamos marcos das mortes de agentes de segurança, de adolescentes e crianças. Têm grande repercussão na imprensa nossos indicadores sobre tiroteios que interrompem o funcionamento do transporte público ou ocorrem nas proximidades de escolas e unidades de saúde. Não importa o indicador, a conclusão será a mesma do editorial do dia 12: “as tragédias representadas por esses números inaceitáveis expõem a urgência de reduzir o número de armas em circulação no país e de treinar melhor as polícias para que não coloquem inocentes em risco”.
Há anos, parcela significativa da sociedade brasileira chama a atenção para duas ações essenciais no intuito de reduzir as mortes violentas no país. Primeiro: é muito importante produzir dados sobre segurança pública, porque são eles a base de políticas eficazes. Também alertamos sobre a urgência de ações focadas na redução da letalidade policial. Apenas a título de exemplo: entre as mil vítimas de balas perdidas, 62% foram atingidas durante ações policiais.
Em 2012, o estado do Rio parou de produzir dados sobre vítimas de balas perdidas. A população fluminense só voltou a conhecer essa informação em 2016, com a criação do Fogo Cruzado. A que se deve a preferência por desenvolver políticas públicas sem saber o que acontece de fato no estado?
A verdade é que o Rio de Janeiro e o Brasil investem há décadas numa mesma estratégia: repressão violenta a varejistas do comércio de drogas em favelas e periferias. Não precisa ser especialista para saber que isso não deu resultado. Ninguém se sente mais seguro nas grandes cidades brasileiras que, em sua maioria, contam com polícias militares altamente letais.
Os indicadores, como os produzidos pelo Fogo Cruzado, transformam essa sensação em informação. Somos uma sociedade marcada pela bala perdida, pela chacina policial e pelas mortes de inocentes. Agora, somos também uma sociedade mais armada. Não dá mais para adiar o que já era inadiável há uma década: precisamos de políticas robustas de enfrentamento dos homicídios. Essas políticas precisam ser baseadas em dados e articuladas nacionalmente. A sociedade civil brasileira clama por isso e está pronta para ajudar a cumprir essa tarefa.