Valor Econômico, v. 20, n. 4886, 23/11/2019. Política, p. A10

Câmara quer ampliar quarentena contra bancada da Lava-Jato

Raphael Di Cunto


O Centrão e a oposição negociam nos bastidores a aprovação de um projeto de lei complementar na Câmara dos Deputados para dificultar a eleição de juízes, promotores e procuradores do Ministério Público, policiais e militares. O texto tem potencial para atingir em cheio o novo partido que o presidente Jair Bolsonaro pretende criar, o Aliança pelo Brasil.

O discurso dos deputados favoráveis à restrição é que é preciso evitar o uso desses cargos como “trampolim”. O exemplo seria o procurador Deltan Dallagnol, que ganhou fama como chefe da força-tarefa da Operação Lava-Jato e, segundo mensagens de celular vazadas por um hacker, planejou concorrer a senador e estimular candidaturas de integrantes do Ministério Público ao Senado em todos os Estados.

Outros exemplos são do ex-juiz Odilon de Oliveira (PDT), que chegou ao segundo turno na eleição para o governo do Mato Grosso do Sul no ano passado, logo após deixar a magistratura com fama de linha-dura, e da juíza Selma Arruda (Pode-MT), eleita senadora no ano passado após uma operação que prendeu os principais políticos do Mato Grosso. Na esteira  da eleição de Bolsonaro, a bancada da bala cresceu e saltou para 61 deputados e nove senadores.

Os deputados e dirigentes partidários pretendem evitar novos casos como esses em 2022 e, por isso, planejam restringir as candidaturas dessas carreiras. Hoje é preciso que eles se afastem seis meses antes da eleição para concorrerem, mas, pela proposta apresentada pelo deputado Fábio Trad (PSD-MS), a quarentena seria de seis anos (três eleições).

Para Trad, essas carreiras têm um poder grande sobre a vida da população e devem ser ocupadas por aqueles vocacionados para isso, e não com o objetivo de atingir a fama ou ganharem mandatos eletivos. “Não é um projeto direcionado a ninguém específico, mas uma resposta àqueles que se utilizam dos cargos com abuso de autoridade”, disse.

A proposta foi protocolada há duas semanas e logo recebeu o apoio de 12 partidos, entre eles PT, PP, MDB, DEM, PL e PSB, que assinaram requerimento de urgência para que o texto seja votado direto no plenário da Câmara, sem precisar passar pelas comissões. Essas legendas somam 335 deputados, bem mais que os 257 parlamentares necessários para aprovar a urgência e o projeto.

Se aprovado, o texto elevará de seis meses para seis anos o prazo de desincompatibilização de militares, policiais, guardas municipais, juízes e promotores que desejem disputar qualquer cargo eletivo, de vereador a presidente da República. Demais agentes públicos, como ministros de

Estado, governadores, secretários e prefeitos, continuarão com a quarentena de seis meses.

O texto tem potencial para enfraquecer o novo partido de Bolsonaro, que tem entre suas bases, além de militantes de redes sociais, agentes de segurança pública. Cerca de um terço dos deputados do PSL que vão para a nova sigla são das carreiras que seriam vedadas. Além disso, o clã pretende estimular outras candidaturas de policiais e militares - que devem, inclusive, comandar a maioria dos diretórios estaduais do Aliança pelo Brasil.

Para evitar a acusação de casuísmo, a proposta permite que quem já estiver aposentado ou exonerado na época da sanção poderá concorrer normalmente com o prazo anterior, de seis meses de desincompatibilização. Assim, ficaria permitida uma candidatura do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, ex-juiz da operação Lava-Jato e responsável por prender, entre outros, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Também terão direito de disputar com o prazo de seis meses os policiais, militares, juízes e promotores que já tiverem exercido ou exercerem atualmente mandato eletivo, seja federal, estadual ou municipal. Essa possibilidade visa diminuir as resistências na bancada da bala, que cresceu nesta eleição. As novas regras, caso realmente aprovadas, não teriam validade na eleição municipal de 2020, por causa do princípio da anualidade, e só teriam efeito a partir de 2022.